segunda-feira, 3 de junho de 2013

você acorda, lhe pego no colo
balbucio cantigas de pulmão
embalo com força fim de feira
lhe deito a cama onde em seguida me acomodo junto
rolamos um pouco, você coça minha orelha
arranha meu nariz, mastiga o bico com a vitalidade do sal
estala os olhos repetidas vezes em minha direção
quase sempre quando, em pensamento, resolvi levar adiante o plano de levantar
cochilamos por minutos prolongados quando formulo crenças sobre a saúde de seu sono
as discrepâncias ilógicas de seus estados anímicos
enfim, entre cada pequeno momento tento entender como você pensa
a forma como se desenha sua existência de dois anos
os arranjos de cor, de textura, odor e sentimento que vagueiam em seu corpo
sem referência à bíblia faraônica da educação infantil (que se estende por meia estante da sala)
tento decifrá-lo instintivamente através dos impulsos proteicos e sinápticos
parece muito mais químico do que metafísico

estaremos sempre fadados a nossa própria compreensão
há certa distância intransponível entre ser esse eu mais um outro
enquanto você pertence ao universo livre das teias da aprendizagem
é uma autossuficiência rudimentar de pai
mas permite suposições irracionais como se eu habitasse campo privilegiado
o monte estratégico: Sinai, Corcovado, Santa Teresa
sou omisso ou não entendo de geografia
nos coloco em planos iguais e te miro de baixo
de onde os inimigos costumam decifrar os enigmas mais vis
já estou com sono, já estou com fome, já não lhe espero mais
passamos por todos os momentos e permanecemos sós
fechados em nossos corpos de meninos crentes
há uma prisão que resguarda o que fomos
esses momentos onde só fui, porque te supus
mesmo que na temperatura equivocada e no tempo imperfeito
mal conjugado e mal interpretado
mas estava ali, zelando tua vida, enquanto alimentava a minha.  
Aprendi com um professor de Antropologia:
o intervalo é obrigatório
o intervalo é indispensável
só o silêncio lunar faz a aveia brotar
tal professor foi processado dois anos atrás
por uma aluna, assédio sexual
broto maroto? colheita tardia?
li num intervalo de aula
no jornal que peguei sobre a mesa da cantina
enquanto tentava fugir do olhar
de uma aluna linda, sedutora e emancipada
tímida e escancaradamente emancipada
pelo intervalo entre  
a assinatura do filho na caderneta poema
é sentença coesa de que a obra está feita
sem reparo ou desamparo o pai inventa a eficiência
em linha inversa, porém tensa do rígido caminho ou centelha
que razão pode ofertar se o bloco é caos descontente?
e agora o filho (assinado) mora dentro.