terça-feira, 26 de novembro de 2019

cheguei a pensar que era virtude e vantagem acumular músicas e poesias compostas na juventude. mal sabia que as obras abandonadas viram fantasmas e se alimentam das pequenas destemperanças da vida adulta. assombram, sem aviso, a normalidade de toda causa. não têm piedade, querem estar entre os vivos, serem executadas, relidas, referidas, ouvidas. são as asas que nunca podei, disfarçadas sob as escapulas. são as asas que garantem a sombra nos dias mais luminosos e refrescam todos a minha volta quando a aridez do real retalha sem dó. são temperança, carência e bom humor. as piadas que nunca decorei, a metade dourada do ser. meus fantasmas, que cultivei sem importância e agora querem um emprego formal, registro, auxílio-doença, o normal. achei que seria virtude criar múltiplas vidas, como um cubista ou um inventor. esqueci de fechar a tampa, de cessar a ânsia, da última peça compor. quem tem a chave do baú?