o pão de chia
encabula a chaleira
que ferve em silêncio
sábado, 20 de dezembro de 2014
quarta-feira, 10 de dezembro de 2014
terça-feira, 2 de dezembro de 2014
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
sexta-feira, 24 de outubro de 2014
há uma gangue de empresários motoqueiros na cidade. para aliviar a ansiedade de trabalhar com altos montantes financeiros colam o punho em suas motocas envenenadas. cruzam as avenidas da metrópole entre noite e madrugada. exercício de relaxamento que mina meu sistema nervoso. poluição sonora. há uma gangue de estudantes pixadores na cidade. eles rabiscaram o muro de uma antiga casa aqui, frente minha janela.
a grafia primitiva do pixo incomodou certa intelectualidade, um par de historiadores, principalmente os cidadãos de bem do bairro. acharam o autor. foi preso. antes teve seu ânus pixado pelo policial. em frente aos colegas de delinquência, mulheres e crianças que passavam. era dia claro, tarde de segunda-feira.
não li os autos do processo, não entenderia mesmo, mas suponho que a acusação a embasar o processo é a descoberta e a divulgação de um conteúdo secreto, escondido na grafia indecifrável do menino. ele tornou pública a herança de sua raça, da pouca humanidade que ainda persiste, mesmo que ilegível. não posso acreditar que o prenderam por atentado ao patrimônio público, sobretudo depois da denúncia dos sujeitos de bem, tão zelosos e atentos!
com base nessa tautologia, fiquei algumas noites encarando os escritos, tentando decifrá-los. não sei se por conta do transe da madrugada, a tontura pela zombaria da noite (motos, caminhões, sons automotivos), apreendi da inscrição um ritmo, uma frequência. musicalidade que passei a transcrever ao violão, noite após noite. ontem quando cheguei a janela tive um susto, a casa sumiu, ergueu-se um estacionamento. motos estacionam de graça e a tinta do muro é anti-pixação. comprei um gravador digital e estou captando o ronco das motos, talvez contenham alguma criptografia. nunca sabemos.
a grafia primitiva do pixo incomodou certa intelectualidade, um par de historiadores, principalmente os cidadãos de bem do bairro. acharam o autor. foi preso. antes teve seu ânus pixado pelo policial. em frente aos colegas de delinquência, mulheres e crianças que passavam. era dia claro, tarde de segunda-feira.
não li os autos do processo, não entenderia mesmo, mas suponho que a acusação a embasar o processo é a descoberta e a divulgação de um conteúdo secreto, escondido na grafia indecifrável do menino. ele tornou pública a herança de sua raça, da pouca humanidade que ainda persiste, mesmo que ilegível. não posso acreditar que o prenderam por atentado ao patrimônio público, sobretudo depois da denúncia dos sujeitos de bem, tão zelosos e atentos!
com base nessa tautologia, fiquei algumas noites encarando os escritos, tentando decifrá-los. não sei se por conta do transe da madrugada, a tontura pela zombaria da noite (motos, caminhões, sons automotivos), apreendi da inscrição um ritmo, uma frequência. musicalidade que passei a transcrever ao violão, noite após noite. ontem quando cheguei a janela tive um susto, a casa sumiu, ergueu-se um estacionamento. motos estacionam de graça e a tinta do muro é anti-pixação. comprei um gravador digital e estou captando o ronco das motos, talvez contenham alguma criptografia. nunca sabemos.
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
murmuro violão com os olhos fixos na janela, tateio entre a bruma e a escuridão da noite o prédio em obras que ergue-se a frente. já encobriu parte do sol e da paisagem e subirá ainda mais. no silêncio da segunda-feira fito sem trégua a construção, precária combinação de tijolos, concreto e patamares provisórios de madeira. procuro algum evento místico que me obrigue a desacreditar no progresso, uma subversão que ponha tudo ao chão, uma seita de operários, um crime ocultado no cimento, fantasmagoria qualquer. não aguento mais ver e fazer crescer esse monstro! (ao som de minhas trilhas sonoras)
quinta-feira, 18 de setembro de 2014
palavras de ordem e de ódio temperam as falas tecladas virtuais
as soluções destilam eficiências em linhas do tempo pré-configuradas
em carne, nem o espelho temos coragem de encarar
revolucionamos o armário, abandonamos o jeans
batemos a porta do elevador na cara do vizinho
salgamos demais o bife ou o hambúrguer de soja
praticamos yoga, desintegral
cultivamos alfaces, nos dentes
é o lado ridículo de ser sempre círculo
só o pecado não é eleito
as soluções destilam eficiências em linhas do tempo pré-configuradas
em carne, nem o espelho temos coragem de encarar
revolucionamos o armário, abandonamos o jeans
batemos a porta do elevador na cara do vizinho
salgamos demais o bife ou o hambúrguer de soja
praticamos yoga, desintegral
cultivamos alfaces, nos dentes
é o lado ridículo de ser sempre círculo
só o pecado não é eleito
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
no quarto das crianças há um balão e um balão de hélio
o balão de hélio tem nome próprio, mas está murcho
o outro tão cheio de ar que reflete o sol da tarde
hélio terá outra chance, recargas de gás estão disponíveis
o balão sem nome próprio pode até explodir tamanha felicidade pelo sol
o gás do balão murcho o habilita a voar por conta própria
enquanto o ordinário precisa do impulso para experimentar a flutuação
há dois balões no quarto das crianças
só um tem nome próprio e duas chances
além de flutuar, ter vida, personalidade
mesmo assim, são dois os balões
é preciso lidar com isso antes que o sol se ponha e a borracha perca o viço
o balão de hélio tem nome próprio, mas está murcho
o outro tão cheio de ar que reflete o sol da tarde
hélio terá outra chance, recargas de gás estão disponíveis
o balão sem nome próprio pode até explodir tamanha felicidade pelo sol
o gás do balão murcho o habilita a voar por conta própria
enquanto o ordinário precisa do impulso para experimentar a flutuação
há dois balões no quarto das crianças
só um tem nome próprio e duas chances
além de flutuar, ter vida, personalidade
mesmo assim, são dois os balões
é preciso lidar com isso antes que o sol se ponha e a borracha perca o viço
quinta-feira, 24 de julho de 2014
espero a sinceridade da neve
previsão de neve na serra. fico apreensivo pelo frio, ao mesmo tempo excitado. na neve poderemos ver o quanto estamos sangrando, nosso rastro não terá para onde ir. ao contrário dessa chuva a escorrer toda a hipocrisia cotidiana. o silêncio, a conivência, a barbárie. espero que neve um metro. para ver o gelo encharcar de sangue enquanto tantos respiram tranquilos debaixo de chuva cegueira. espero só a neve densa a gelar, queimar e materializar nossas chagas. ao menos até o sol cínico do meio dia despejar uma sombra vertical sobre nossos ombros. espesso futuro da próxima glaciação.
sexta-feira, 27 de junho de 2014
a janela dos fundos dá para um labirinto de fundos de prédios. por não serem fachadas, os fundos não são fotogênicos. acumulam fuligem, escondem segredos. cada aquário revela uma sílaba secreta de libido ou crime. desafiam leis da física e do condomínio. os fundos dão para os fundos. se merecem, se pertencem. não há ar detrás dos vidros. nem humanidade. o sol só penetra pelas fachadas. os fundos clamam pelos fungos, pelas bactérias, pelas poeiras cósmicas invisíveis. os fundos dão para os fundos. até nos darmos conta que vivemos voltados para eles. fumando nossos cigarros escondidos, ou espiando alguma brecha de vida no desaconchego da grama do vizinho. os fundos dão para os fundos para os que tem alma de encarar a umidade. aí onde a vida abunda e a claridade é quase sempre mal interpretada. os fundos dão para o mundo.
quarta-feira, 25 de junho de 2014
passei por uma cidreira plantada num canteiro de calçada. não a colhi, só roubei o aroma. tinha certa pressa. da parada, enquanto esperava a lotação (sempre atrasada) ainda observei a touceira, seus galhos invadindo a passagem, furando olhos transitórios. transitólhos. mais tarde senti um desejo irresistível daquele chá. pedi uma xícara no bar e eu mesmo naufraguei a fronha aromática na água fervente. borbulhante. o vapor refrescou minhas lentes. desanuviou. mas quando provei não era o sabor que eu queria. acho que o desejo era duma cidreira de calçada, onde esfregaram-se os pedestres, que teve o caule cortejado pelos cachorros, as raízes roídas por ratazanas de rua. aquela cidreira mais cinza que verdejante, com um sabor peculiar do gás intransitivo dos escapamentos da cidade. cidreira com história. cidreira de carnes.
segunda-feira, 19 de maio de 2014
domingo, 18 de maio de 2014
sexta-feira, 9 de maio de 2014
hoje, enquanto dedilhava entre a desatenção dos meus meninos pensei além. sobre tudo que sonhamos deixar de herança na terra, uma casa, algum valor moral, educação e presença de espírito, o que significaria algumas dezenas da músicas compostas não publicadas (impublicáveis?)? a síntese musical de minha passagem autoral pelo universo, guardada em fiapos magnéticos degenerados, ou na memória absurda que se esvai agora (quem dirá ao entardecer). o que é isso que me define mas se decompõe invisível sob nossos olhos, em momentos esparsos quando rememoramos tempos áureos ou cálidos que já não nos pertencem? enigmas. vou queimar as fitas.
segunda-feira, 5 de maio de 2014
hoje, após uma noite mal dormida, acordei atrasado. em pé, lavei os olhos com café e corri a parada. o frio espantava o sono. a tempo de bater o ponto, invadi estabanado a primeira reunião do dia com tarefas em atraso, gastrite em altas proporções. o dia passou como um susto, não consegui uma vez mais mandar aquela mensagem sutil de carinho para meu amor, lembrar minha mãe de lembrar meu pai de tomar os remédios (eles têm trabalhado tanto), pesquisar aquele presente retrô para o quarto dos meninos. esqueci até de comer. quase na hora de bater o ponto e ir embora devorei a maçã que levei na bolsa, suja mesmo, acho até que a poeira morre diante de tanto veneno evaporando. saí porta afora meio correndo e segui algumas quadras assim, depois, por conta do olhar de assombro ou reprovação dos pedestres, com muito mais pressa do que eu, mas estranhando minha sinceridade, me dei conta de que o expediente já se fora, que podia respirar. lembrei do último diagnóstico de pressão alta e olhei no relógio da praça a delação do meu atraso. mais uma vez mais de uma hora além do horário combinado com a família. a janta já deve ter esfriado assim como as brincadeiras cansaram de repetir cenas sem um bom vilão (que só eu sei interpretar). evitei encontros ao chegar no saguão do prédio e subi pelas escadas mesmo. oito andares. arrisquei, muitos pais de família despediram-se assim, mas ainda tenho fé nos meus músculos. invadi o apartamento e meu filho correu, ajoelhado abri os braços para apertá-lo e cheirar sua perfeição inacabada. de tão pronto, acho que ele me atravessou, atravessou mesmo como se eu não tivesse matéria ou carne. caiu no chão como se de um tropeço. olhou para mim assustado. não soube responder, apesar da condição de pai exigir uma posição. talvez uma astúcia da natureza para evitar a contaminação do menino, sua infância e abertura. não reagi ou tentei explicar. tratei de brincar de fantasma com a pouca energia disponível.
domingo, 4 de maio de 2014
terça-feira, 29 de abril de 2014
Nota curitibana de memória afetiva
Vitamino o corpo com um resto de sol à beira lago
Tenho vontade de apenas estar
mas logo irrompe uma abstração articulada que organiza o sentir
quero apenas estar e não consigo
invade meu raciocínio uma cognição produtiva
mesmo que em favor da poesia
ela não é
não por questões de funcionalidade, belas artes
não é pois está contaminada desse eu produtivo e feroz
a derrubar e distorcer a existência
mesmo quando, fingindo inocência, quer apenas uns goles de ar
as células desobedecem alienadas que estamos na e pela impossibilidade da pausa
não há poesia possível até que a terra cesse sua rotação imantada pelo sol que a extingue
toda linha é impulso
Tenho vontade de apenas estar
mas logo irrompe uma abstração articulada que organiza o sentir
quero apenas estar e não consigo
invade meu raciocínio uma cognição produtiva
mesmo que em favor da poesia
ela não é
não por questões de funcionalidade, belas artes
não é pois está contaminada desse eu produtivo e feroz
a derrubar e distorcer a existência
mesmo quando, fingindo inocência, quer apenas uns goles de ar
as células desobedecem alienadas que estamos na e pela impossibilidade da pausa
não há poesia possível até que a terra cesse sua rotação imantada pelo sol que a extingue
toda linha é impulso
quarta-feira, 23 de abril de 2014
entre tantas coisas absurdas que acontecem na surrealidade diária do mundo do trabalho, fiquei me debatendo sobre o debate em relação à Copa do Mundo. O rito bárbaro da guerra, da disputa pela visibilidade, supremacia, dominação e competição. Ainda em Roma, Pérsia, Grécia, América Asteca. Não consigo abstrair o lirismo da luta porvir, o campo de batalhas entre a bola, a noosfera midiática, os latrocínios de reputação, os oportunismos políticos. Como opinar ante a confusão mental e a coceira no pé direito, que já calça a chuteira, que já arqueia o quadril como num rebolado matreiro de mestiçaria. A feitiçaria travessa dos que não tem dono. Dos que não tem dom. Não sei se sou hábil a frieza do raciocínio para observar de longe aquilo que tortura desde dentro, desde o mais inominável e indescritível sentimento de pertença. Jogo de palavras, jogo ao absurdo como o futebol sozinho contra o muro de cimento descascado. Talvez a fé no futuro seja como a mãe que adverte e esbraveja contra o chutar insistente da bola na parede, a romper o couro do bom tênis de ir à escola, tensa pelo barulho irritante e repetitivo do impacto, enquanto tritura um porco no feijão. É uma imagem que impacienta, irrita, mas quando superada tem sua singeleza. Sofremos de saudade eu e minha mãe. Assim como parece que não nos cruzamos mais, as possibilidades e o tempo disponível, possível. É a rotina apenas a bradar pelo apito inicial, nossa vida escorrerá antes dos 45 minutos.
segunda-feira, 14 de abril de 2014
eclipse vermelho
da montanha a lua parecia maior
lá estava a ovelha a se banhar
cor vermelha de sangue refletida na lã
o lado escuro, o não saber da mudança
tingida com nova cor
uma ovelha em brasa apareceu
queimando todos os cajados
mudança
escurecer a luz da boemia
boemia ou medo de viver
poesia ver a lua clarear após
o eclipse vermelho
alguma madrugada de 1999
lá estava a ovelha a se banhar
cor vermelha de sangue refletida na lã
o lado escuro, o não saber da mudança
tingida com nova cor
uma ovelha em brasa apareceu
queimando todos os cajados
mudança
escurecer a luz da boemia
boemia ou medo de viver
poesia ver a lua clarear após
o eclipse vermelho
alguma madrugada de 1999
sexta-feira, 4 de abril de 2014
segunda-feira, 31 de março de 2014
paira uma umidade quente no ar
ainda não é inverno
lentamente percebo a neblina instalar-se pela janela
sumindo com os prédios ao fundo
em seguida as copas das árvores. aqui, quase a minha frente
sinto uma vontade de passar a mão no vidro
tentar desembaça-lo como a uma lente de óculos ou contato
parece que a neblina está em mim
vivendo aqui ao lado do estômago
que sente tudo intensamente
desde as erupções da rua, até os pés descalços dos catadores
há revoltas entre a boca e o ânus
e os médicos delimitam a zona de abrangência: gastrites
um estágio acima do refluxo
do bucho ou do mundo, eis um bom ponto de partida para a pergunta
mas ainda teimo em querer saber o que vive além da neblina
se enquanto as coisas somem de minha visão, persistem
se existem com normalidade longe do meu escrutínio
o sábia parece quieto, os prédios desligaram-se das novelas
até os pequenos larápios do bairro esqueceram de procurar abrigo nos bolsos dos estudantes que retornam miseráveis, cansados e muito mais burros do que antes da escola
quase adormeço nesse transe ante a janela
e desperto em sobressalto
a névoa se dissipa lentamente
como se brisa sul a aliviasse sem pressa
um efeito de Fellini
nada está por detrás
os objetos sumiram, todos a um só tempo
chego a correr na direção do ar ao lado de fora, sou engasgado pelo vácuo
há um imenso vazio indescritível, inenarrável
estou finalmente só no apartamento
salvo pela rede social que ampara minha perplexidade a seguir
comenta sem pressa ou angústia o tom humorístico com que encaro tudo isso
esse desaparecimento mágico de um real que me cercava após passagem meteórica de neblina outonal nas imediações do sétimo andar
desligo o computador com certo medo
pois se não existem mais os postes, os fios, as conexões até esse prédio, como pode tudo funcionar normalmente como uma ilusão?
penso em descer até a calçada, procurar os vizinhos, compartilhar as dúvidas
mas a pergunta ainda não está clara:
eu olhava por que janela?
ainda não é inverno
lentamente percebo a neblina instalar-se pela janela
sumindo com os prédios ao fundo
em seguida as copas das árvores. aqui, quase a minha frente
sinto uma vontade de passar a mão no vidro
tentar desembaça-lo como a uma lente de óculos ou contato
parece que a neblina está em mim
vivendo aqui ao lado do estômago
que sente tudo intensamente
desde as erupções da rua, até os pés descalços dos catadores
há revoltas entre a boca e o ânus
e os médicos delimitam a zona de abrangência: gastrites
um estágio acima do refluxo
do bucho ou do mundo, eis um bom ponto de partida para a pergunta
mas ainda teimo em querer saber o que vive além da neblina
se enquanto as coisas somem de minha visão, persistem
se existem com normalidade longe do meu escrutínio
o sábia parece quieto, os prédios desligaram-se das novelas
até os pequenos larápios do bairro esqueceram de procurar abrigo nos bolsos dos estudantes que retornam miseráveis, cansados e muito mais burros do que antes da escola
quase adormeço nesse transe ante a janela
e desperto em sobressalto
a névoa se dissipa lentamente
como se brisa sul a aliviasse sem pressa
um efeito de Fellini
nada está por detrás
os objetos sumiram, todos a um só tempo
chego a correr na direção do ar ao lado de fora, sou engasgado pelo vácuo
há um imenso vazio indescritível, inenarrável
estou finalmente só no apartamento
salvo pela rede social que ampara minha perplexidade a seguir
comenta sem pressa ou angústia o tom humorístico com que encaro tudo isso
esse desaparecimento mágico de um real que me cercava após passagem meteórica de neblina outonal nas imediações do sétimo andar
desligo o computador com certo medo
pois se não existem mais os postes, os fios, as conexões até esse prédio, como pode tudo funcionar normalmente como uma ilusão?
penso em descer até a calçada, procurar os vizinhos, compartilhar as dúvidas
mas a pergunta ainda não está clara:
eu olhava por que janela?
quinta-feira, 27 de março de 2014
dialética
dialética é uma bruma de outono
que desagua em melancolia
nos leva a ouvir tango
que desagua em melancolia
esfriando ainda mais o inverno que se aproxima
nos leva a ouvir tango
estar embebido da bruma de outono
que desagua em melancolia
que nos leva a ouvir tango
que dissipa bruma em inverno
que nos leva a ouvir tango
estar pleno de inverno
em melancolia pura
ouvindo tango a espreita da flor
que quando desabrocha
é pura melancolia
que nos leva a ouvir tango
saudosos de uma bruma
que o laranja do botão nos relembra
ao som de um tango
enquanto o som preenche o espaço
num dia tão longo
que nos leva a ouvir tango
que desagua em melancolia
nos leva a ouvir tango
que desagua em melancolia
esfriando ainda mais o inverno que se aproxima
nos leva a ouvir tango
estar embebido da bruma de outono
que desagua em melancolia
que nos leva a ouvir tango
que dissipa bruma em inverno
que nos leva a ouvir tango
estar pleno de inverno
em melancolia pura
ouvindo tango a espreita da flor
que quando desabrocha
é pura melancolia
que nos leva a ouvir tango
saudosos de uma bruma
que o laranja do botão nos relembra
ao som de um tango
enquanto o som preenche o espaço
num dia tão longo
que nos leva a ouvir tango
quinta-feira, 20 de março de 2014
Coração Supõe
coração supõe
que em torno das mágoas em que vive
bate mais por amor
o sopro é a alma do cantor
coração a dor
que alimenta o ser é a força rimada
ritmada pra viver, o pulsar
ter no sangue a poesia
ventre de fados livre
vinte quatro anos à sombra dos teus planos
à espera de um grande sonho nascer
tudo acontecer
(outono, 2004)
que em torno das mágoas em que vive
bate mais por amor
o sopro é a alma do cantor
coração a dor
que alimenta o ser é a força rimada
ritmada pra viver, o pulsar
ter no sangue a poesia
ventre de fados livre
vinte quatro anos à sombra dos teus planos
à espera de um grande sonho nascer
tudo acontecer
(outono, 2004)
terça-feira, 18 de março de 2014
quarta-feira, 12 de março de 2014
domingo, 9 de março de 2014
toda noite quando te levo pra cama e cubro tuas pernas com esse lençol colorido e autêntico, respiro fundo, fico feliz e alimento teus sonhos com as trilhas sonoras que ainda ouso compor na imaginação ou num lábio trêmulo que balbucia ritmos descompassados. chamo a persistência de coragem e teu sono pesado de paz; entre as explosões de tantas galáxias e sentimentos. chego a suspirar: pra que esperar tanto da vida?
sexta-feira, 7 de março de 2014
um verão desses eu e meu melhor amigo sonoro sentamos numa sacada beira-mar. dessas sacadas curtas, com pouco espaço para acomodar os pés. munidos de violão e uma cachaça barreira musicamos aquela noite inteira com nossas composições. sorrimos e choramos abraços cancioneiros de uma amizade rara, das cordas e da voz desafinada, mas do peito infantil e amistoso da poesia iletrada. admiradores num espelho enviesado, Narcisos meninos. cordas e garrafas quebradas naquela noite, luas menos cheias hoje, mudas quando não as refletimos no tampo do violão, ou numa frase feminina, rima quase fútil, de nossos quereres. nem sempre sou saudoso, excepcionalmente quando finda o verão e a alma degela seu frescor imunológico antevendo a hibernação. a pele lentamente se aquece a medida em que na rua as folhas caem, a umidade se posiciona, as noites fazem morada. há melancolia demais em meu peito para ir até uma sacada dessas hoje, não porque esteja longe da praia, mas porque minha voz acordou da meninice e porque meu amigo há muito não soa suas cordas comigo. tanto tempo que já nem lembro mais.
terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014
no cemitério de carros em São Paulo
numa das 25 mil sucatas
tem um bilhete meu no porta-luvas
te advertindo sobre a passagem do tempo
e os efeitos danosos do ácido cítrico
bem ali, a ferrugem nunca dorme
mas a cartinha bem envelopada resiste
papel de carta perfumado sobrevive até a radiação
ainda mais quando declama bobices de amor
tão leves que anulam a matéria
numa das 25 mil sucatas
tem um bilhete meu no porta-luvas
te advertindo sobre a passagem do tempo
e os efeitos danosos do ácido cítrico
bem ali, a ferrugem nunca dorme
mas a cartinha bem envelopada resiste
papel de carta perfumado sobrevive até a radiação
ainda mais quando declama bobices de amor
tão leves que anulam a matéria
domingo, 16 de fevereiro de 2014
entre mais de mil observadores, existe nesse eu real quase imperceptível ou incólume (naquilo que sugiro ser real) um ímpeto. um corpo jaz embriagado pelos leitores, admiradores, criadores da existência terrena. piso descalço (somente no sábado) e deito a vida para os que me amam. dois, três, quiçá, seis, contando os que acreditam na materialidade. sou só uma foto sorridente. aliás, a foto já morreu, resta o sorriso à deriva e seus admiradores (também mortos). do paraíso, ou do purgatório comentam, demarcam territórios, ocupam o espectro fantasmagórico desse perfil ridículo. que de tão ridículo assume o posto d'eu real. não mais existo, ninguém tocou em meu corpo. ninguém sabe o que penso (o que verdadeiramente penso). verdade? pensamento? por quanto tempo serão necessários? esses levantes, essas indagações, essas inconformidades? logo terei dois estômagos, ruminarei e postarei mais, serei mais produtivo, incauto, sábio digital... estarei definitivamente entregue a poesia dos músculos. sem ossos.
nem sempre sou esse pai. essa estátua imaculada que substitui os caminhos. todo dia estou repleto de lodo entre os braços e não consigo nadar para lado algum. minha visão, memória, redenção, é mar, limpo, puro, azul e amplo. estamos no raso. mas isso também não tranquiliza, porque esse piso imaginário é pouco, é insuficiente, só a terra é capaz de gerar, em nossas células, a sensação aproximada, da vida, em estado puro. é algo parecido com o choque, está entre (e dentro) do sentido de reproduzir. nunca saberemos. nunca saberemos se sentimos isso, se podemos explicar algo. nunca saberemos se é possível indicar coisa alguma, baseados na ciência? no instinto? na quiromancia? olha, nem sempre sou esse pai. quase sempre sou outro muito mais distante, que tenta responder uma única questão: o que é ser pai e como é ser um ser que já não está contido somente em si? nem sempre sou esse pai, o que a definição de ser pai diz sobre o que sou?
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014
tenho um costume: olho todos nos olhos
não sei explicar, é involuntário
os homens pensam que é briga
as mulheres, flerte
senhoras bradam que é tara
policiais afirmam: desacato
os bandidos desconfiam que é delação
padres sabem que é penitência
enquanto doentes, misericórdia
sinto, imagino e vejo sempre
pupilas de criança
não sei explicar, é involuntário
os homens pensam que é briga
as mulheres, flerte
senhoras bradam que é tara
policiais afirmam: desacato
os bandidos desconfiam que é delação
padres sabem que é penitência
enquanto doentes, misericórdia
sinto, imagino e vejo sempre
pupilas de criança
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
um homem familiar (não identifico quem) circula num bosque entre videiras, frutas silvestres, taipas, muros, gramíneas, trepadeiras. ele gesticula muito e canta um rap. conta que é a música de sua banda, onde ele não é vocalista, mas ajuda o vocalista a cantar. enquanto isso, vai realizando um traçado cambaleante nesse pátio lúgubre, lendo (quase como aquelas inscrições do gentileza) essas letras de suas músicas, inscritas entre estes caminhos do bosque, as vezes parece como uma arte rupestre, outras vezes letras garrafais esculpidas em pequenos elos de correntes. sua perambulação entre esses corredores, entre idas e vindas, imprimem um ritmo. cadenciado e nervoso ao mesmo tempo. pois seu movimento não cessa. subitamente, estou cercado por algumas abelhas. o aviso, ele desconversa. logo são muitas, dezenas, e começo a sentir as picadas, enumerá-las ao cantor que segue acenando com normalidade para a situação, tranquiliza minha dor que não é a sua, enquanto desanda a cantoria letrada entre alamedas do bosque.
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014
não há genialidade em tecer perguntas que ecoam pelos submundos do córtex coletivo humano. não há genialidade em emitir juízo, acreditar na fotografia. não há genialidade em estar na terra com os olhos salgados pelas intempestivos hálitos compartilhados. em silêncio, o verão trucida o estômago. é impossível descrever essa paisagem, não há compreensão. não faltam olhares, discursos, saberes. a impossibilidade decorre do eco. do espaço vazio que nos habita. esse interior castigado ou mimado, sabe-se lá. filho de chocadeira General Eletric.
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