segunda-feira, 28 de abril de 2008

Ócio não criativo

Acordo apressado por um tempo que não é o meu. As urgências já não cabem na agenda, páginas cheias de escritos, em letras pequenas, alguns grifos em canetas vermelhas e semanas amassadas por um folhear rápido demais.
Estou preocupado, não tenho aproveitado produtivamente meu tempo. Nem para gerar riqueza material, nem para me realizar como ser humano. Os dias mais parecem um aquecimento vencido, para um jogo que não vai acontecer. Sensação engraçada.
Sei que soa utópico querer ver o mundo do meu jeito, e as pessoas a meu redor não cansam de me convencer que não posso fazer isso. Ou seja, o melhor é baixar a guarda e render-se a essa desenfreada correria pela acumulação. Mas li e uma amiga me disse: quem trabalha demais não tem tempo para ganhar dinheiro.
Essa justificativa me dá uma preguiça... uma vontade de sentar numa sombra macia, de árvore, não vale concreto, e ficar ali, observando a razão acontecer, o homem correr desbaratinado, para assim, sentir as idéias florescerem na cabeça como na Renascença. Daí, talvez, pudesse extrair um propósito decente para tanto apego. Pena. Não tenho tempo hoje, aliás, nem hoje, nem amanhã, minha urgência é pra ontem, já foi!
Aí falta comida, falta petróleo, falta tolerância, falta água, falta vergonha e sobram manchetes perguntando: Por que? Será que é sério? Não, eu não acredito que seja, não acredito que as pessoas, ou os responsáveis pela comunicação, os juízes e as autoridades, os padres, os vilões, todos nós não saibamos o porquê.
Se não dá tempo nem pra pensar, como as coisas poderiam fluir, como o mundo poderia se direcionar. Somos como um rio que corre sem assimilar seu leito, nem sua foz, quanto menos sua desembocadura... Fazemos a via pedregosa e lamacenta da existência sem parar, morro abaixo e na pressão; a natural, vinda da gravidade, e tantas outras que criamos insistentemente. Estamos subindo rio, morro acima, mas não dá mais tempo pra raciocinar e entender que assim não vai, não vai mesmo! Será que de fato não dá mais tempo?
Bora trabalhar que a chuva desceu...

quarta-feira, 23 de abril de 2008

save



Aquela paróquia lá no Guabiroba Baixo construída antes de 1950, ou depois?
Terra sagrada, benzida por São Jorge!
Eia!
Vamos vencer apesar da terra menos fértil!
Vamos vencer apesar do corpo mais impestado!
Vamos vencer apesar do clima desolador!
Vamos vencer apesar dos inimigos serem tantos!
Vamos vencer porque do coração exaltamos o amor!
e assim, mesmo batalha perdida alimenta...
Salve cavaleiro do cavalo imaculado!

terça-feira, 22 de abril de 2008

Varal de poesia



Imprever é acasar.
Manter os olhos fechados e a boca aberta.
Sentir
sabor
vivo
ao tempero
do tempo.
Saliva
sumo
tudo ali dentro...
Contentar-se
desconcertadamente.
Digerir
do acaso
o contexto
Pronto ao
próximo
bote ou
beijo.

Som de rito pop




É difícil imaginar a existência do homem sem a música. Mesmo se descartarmos os sons, a observação de movimentos, de imagens, de formas sempre nos sugere ritmos e construções sonoras. Apreciar a musicalidade é muito mais que um simples exercício auditivo, ou um estudo matemático de combinações agradáveis de elementos distintos. Música é uma experiência primitiva anterior à linguagem e anterior ao próprio homem.
Uma experiência mística dos povos que veio tornar-se um produto, como qualquer artigo da sociedade de consumo. Apesar da assimilação da música em estado puro, pelo universo do capital, ritmo e sonoridade ainda formam a base para rituais das mais diferentes etnias em todo mundo. A ligação do homem com sua origem, sem levar em conta crença ou tradição, está intimamente conectada à musicalidade. Através da manifestação musical índios, batuqueiros, cantores gospel, pastores da universal, aborígenes, uma infinidade de grupos celebram suas passagens. Casamento sem valsa, carnaval sem cortejo, como seriam?
A união dos sons rituais com o culto pop contemporâneo celebra alguns grandes êxitos comerciais e muitas experiências de inovação musical, algumas um tanto desconhecidas do grande público. Ravi Shankar é exemplo de um grande expoente do misticismo musical ritualístico convertido em celebridade pop. O sitarman indiano trouxe para o Ocidente o som doutrinário de seu país e o misturou com a produção de entretenimento puro. O resultado foi sucesso em larga escala, tanto entre os adeptos religiosos quanto o público ligado ao seu estilo, simplesmente.
Nem tão populares, os brasileiros do Terrero de Jesus temperam cânticos de candomblé com a pimenta do jazz a la New Orleans. Soam como novidade, mas esta fusão parece remontar algo ainda mais antigo do que seus próprios elementos. É como se eles tivessem encontrado o denominador comum, a musicalidade afro do continente americano, em estado pré-lapidar.



As críticas puristas são uma constante entre tais movimentos que popularizam entonações de práticas religiosas, levando estas composições à condição de um produto como outro qualquer. O argumento comum é que a música, dissociada de seu princípio fundamental, o rito, não possui sentido, por isso não tem razão de ser. Sem falar em brados sobre banalização, heresia, apropriação indevida.
O fato é que a propagação das músicas étnicas, ou mesmo hinos ritualísticos entre o público externo a sua crença ou ao contexto religioso, quando executados de forma apropriada, óbvio, pode vir a favorecer e popularizar as práticas religiosas de origem. A música como um culto particular é o fator mais pontual desta justificativa. Ou seja, a universalidade que a linguagem musical possui eleva esta arte como o principal baluarte ideológico de qualquer costume, crença, atitude, postura, etc.
O rock é um grande exemplo desta força. O ritmo ajudou a exportar para o mundo todo um estilo de pensar e agir de um povo, em detrimento de costumes tradicionais de outros, ou de uma nova convivência harmônica que aos poucos se tornou irremediável.
O enfraquecimento da crença, a queda dos mitos e um abismo metafísico vivido pela nossa geração são capazes de subverter todos os paradigmas e postulados, deixando vivo somente um aspecto essencial: a celebração estética. Se o povo gostar, pronto. Fodeu-se! Não tem mais jeito. Não precisa ser vendido, não precisa ser comercializado, não é necessário nem ir até as prateleiras, o consumo massivo se dá ao esforço de um clique, numa confortável poltrona. Nenhum dogma resiste a força instantânea da nova ordem e os nossos sagrados rituais estão por aí, a venda, ou no livre comércio das comunidades virtuais.
Exaltar a negatividade deste fato é deixar passar o lado sedutor e produtivo que esta situação nos expõe. Se um dia foram necessárias cruzadas, catequizações, evangelizações, hoje em dia as estratégias são outras. A questão é que negar o processo, ou tentar frear a explosão já florescida é perder um tempo precioso. Devemos dar conta de levar o fundo, junto com a superfície, ou celebrar este tempo onde o ritual sincrético é a chave para entender nossa colocação absurda nesse mundo caótico. Convivência e harmonia, acima de pressupostos, de visões antecipadas e conceitos fundamentais, relativizar os gostos musicais, amenizar os fanatismos, propagar os ritos com suas peças fundamentais: a celebração do homem e sua natureza em profunda convulsão.

Jai Uttal
Daniel Namkhay
Konono