terça-feira, 18 de abril de 2017

enquanto a segunda-feira é tão malvista, quando vira a melhor madrugada já é terça.
tão logo os filhos dormem e a casa silencia, um pai vai até a sacada, está apreensivo, foi muito duro com eles hoje, ontem esteve trabalhando o dia inteiro, logo mais sai cedo e pode ser que chegue tarde. mas no fim de semana fez de tudo, brincou muito, deu presentes, tem sido amigo, ganhado e recebido carinho, mas as vezes perde a paciência. mesmo bem aconselhado, bom leitor, de família gentil e feliz, esse melodrama mental se estende, e repete-se noite após noite, com maiores e menores intensidades. a vida segue seu rumo e, na medida do possível, aconselharíamos esse pai a beijar, cheirar e amar estes filhos tão intensamente que os fizesse transbordar. porque mais dia, menos hora, se a família tiver sorte, chegará o momento em que toda essa preocupação abstrata explodirá concretamente no colo do pai. momento em que o desencanto natural de quem precisa encarar a vida em voo livre, provoca. estes filhos, sem pudores, se a personalidade assim o permitir, julgarão esse pai sem mácula, pelo que fez e pelo que não. tanto as ausências quanto as presenças serão balizadas e, na névoa do tempo, na fabulação da memória, tudo poderá ser. o que restará desse escombro? ora, se não foi negligência, se aquela inexperiência foi sincera e se a entrega foi legítima, prevalecerá a criação. é óbvio que o mundo da vida também produzirá essa criança, o eterno debate se o homem é o lobo do homem ou se a pureza é seu destino inevitável. mas como reorganizar o presente sem aquelas pequenas chamas de afeto na memória? diria a esse pai que ainda vale errar pelo excesso, dormir no aconchego dos braços desse filho, mimá-lo, não de manias, mas da proteção acalentadora da felicidade paterna, da luz que preenche o coração, madrugada adentro com o zelo. creio que se o filho experimentar, do peito de seu pai tal plenitude, as angústias do adolescer se resolverão numa partida de xadrez.