sexta-feira, 24 de outubro de 2014

há uma gangue de empresários motoqueiros na cidade. para aliviar a ansiedade de trabalhar com altos montantes financeiros colam o punho em suas motocas envenenadas. cruzam as avenidas da metrópole entre noite e madrugada. exercício de relaxamento que mina meu sistema nervoso. poluição sonora. há uma gangue de estudantes pixadores na cidade. eles rabiscaram o muro de uma antiga casa aqui, frente minha janela.
a grafia primitiva do pixo incomodou certa intelectualidade, um par de historiadores, principalmente os cidadãos de bem do bairro. acharam o autor. foi preso. antes teve seu ânus pixado pelo policial. em frente aos colegas de delinquência, mulheres e crianças que passavam. era dia claro, tarde de segunda-feira.
não li os autos do processo, não entenderia mesmo, mas suponho que a acusação a embasar o processo é a descoberta e a divulgação de um conteúdo secreto, escondido na grafia indecifrável do menino. ele tornou pública a herança de sua raça, da pouca humanidade que ainda persiste, mesmo que ilegível. não posso acreditar que o prenderam por atentado ao patrimônio público, sobretudo depois da denúncia dos sujeitos de bem, tão zelosos e atentos!
com base nessa tautologia, fiquei algumas noites encarando os escritos, tentando decifrá-los. não sei se por conta do transe da madrugada, a tontura pela zombaria da noite (motos, caminhões, sons automotivos), apreendi da inscrição um ritmo, uma frequência. musicalidade que passei a transcrever ao violão, noite após noite. ontem quando cheguei a janela tive um susto, a casa sumiu, ergueu-se um estacionamento. motos estacionam de graça e a tinta do muro é anti-pixação. comprei um gravador digital e estou captando o ronco das motos, talvez contenham alguma criptografia. nunca sabemos.