terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

esculpo meu silêncio a muito custo
convivo com um eloquente ditador
em minha garganta

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

no cemitério de carros em São Paulo
numa das 25 mil sucatas
tem um bilhete meu no porta-luvas
te advertindo sobre a passagem do tempo
e os efeitos danosos do ácido cítrico
bem ali, a ferrugem nunca dorme
mas a cartinha bem envelopada resiste
papel de carta perfumado sobrevive até a radiação
ainda mais quando declama bobices de amor
tão leves que anulam a matéria

domingo, 16 de fevereiro de 2014

te peço que esqueça o que fui, hoje é 29 de fevereiro
e acabo de desmentir o calendário, o homem que contava o tempo,
o escriba e os místicos
estou manchado por um dia imperfeito
que equivale a qualquer outro
entre mais de mil observadores, existe nesse eu real quase imperceptível ou incólume (naquilo que sugiro ser real) um ímpeto. um corpo jaz embriagado pelos leitores, admiradores, criadores da existência terrena. piso descalço (somente no sábado) e deito a vida para os que me amam. dois, três, quiçá, seis, contando os que acreditam na materialidade. sou só uma foto sorridente. aliás, a foto já morreu, resta o sorriso à deriva e seus admiradores (também mortos). do paraíso, ou do purgatório comentam, demarcam territórios, ocupam o espectro fantasmagórico desse perfil ridículo. que de tão ridículo assume o posto d'eu real. não mais existo, ninguém tocou em meu corpo. ninguém sabe o que penso (o que verdadeiramente penso). verdade? pensamento? por quanto tempo serão necessários? esses levantes, essas indagações, essas inconformidades? logo terei dois estômagos, ruminarei e postarei mais, serei mais produtivo, incauto, sábio digital... estarei definitivamente entregue a poesia dos músculos. sem ossos. 
nem sempre sou esse pai. essa estátua imaculada que substitui os caminhos. todo dia estou repleto de lodo entre os braços e não consigo nadar para lado algum. minha visão, memória, redenção, é mar, limpo, puro, azul e amplo. estamos no raso. mas isso também não tranquiliza, porque esse piso imaginário é pouco, é insuficiente, só a terra é capaz de gerar, em nossas células, a sensação aproximada, da vida, em estado puro. é algo parecido com o choque, está entre (e dentro) do sentido de reproduzir. nunca saberemos. nunca saberemos se sentimos isso, se podemos explicar algo. nunca saberemos se é possível indicar coisa alguma, baseados na ciência? no instinto? na quiromancia? olha, nem sempre sou esse pai. quase sempre sou outro muito mais distante, que tenta responder uma única questão: o que é ser pai e como é ser um ser que já não está contido somente em si? nem sempre sou esse pai, o que a definição de ser pai diz sobre o que sou?
não é (sic) pêlos 10.
sentai-vos.
(uns aos outros)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

choro à luz da lua cheia
enquanto sou engolido
pela incerteza de pisar firme no planeta terra
meio céu, meio lobo
não queria desaprender
a musicar tua simplicidade

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

tenho um costume: olho todos nos olhos
não sei explicar, é involuntário
os homens pensam que é briga
as mulheres, flerte
senhoras bradam que é tara
policiais afirmam: desacato
os bandidos desconfiam que é delação
padres sabem que é penitência
enquanto doentes, misericórdia
sinto, imagino e vejo sempre
pupilas de criança

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

estou vadio e alerta
e fumo a braguilha
da tua empecilho-saia
um homem familiar (não identifico quem) circula num bosque entre videiras, frutas silvestres, taipas, muros, gramíneas, trepadeiras. ele gesticula muito e canta um rap. conta que é a música de sua banda, onde ele não é vocalista, mas ajuda o vocalista a cantar. enquanto isso, vai realizando um traçado cambaleante nesse pátio lúgubre, lendo (quase como aquelas inscrições do gentileza) essas letras de suas músicas, inscritas entre estes caminhos do bosque, as vezes parece como uma arte rupestre, outras vezes letras garrafais esculpidas em pequenos elos de correntes. sua perambulação entre esses corredores, entre idas e vindas, imprimem um ritmo. cadenciado e nervoso ao mesmo tempo. pois seu movimento não cessa. subitamente, estou cercado por algumas abelhas. o aviso, ele desconversa. logo são muitas, dezenas, e começo a sentir as picadas, enumerá-las ao cantor que segue acenando com normalidade para a situação, tranquiliza minha dor que não é a sua, enquanto desanda a cantoria letrada entre alamedas do bosque.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

não há genialidade em tecer perguntas que ecoam pelos submundos do córtex coletivo humano. não há genialidade em emitir juízo, acreditar na fotografia. não há genialidade em estar na terra com os olhos salgados pelas intempestivos hálitos compartilhados. em silêncio, o verão trucida o estômago. é impossível descrever essa paisagem, não há compreensão. não faltam olhares, discursos, saberes. a impossibilidade decorre do eco. do espaço vazio que nos habita. esse interior castigado ou mimado, sabe-se lá. filho de chocadeira General Eletric.