terça-feira, 17 de dezembro de 2013

basquiat

anularia o tempo, munido de um pincel e pouca tinta, corpo e consciência adulta, embalado num bom jazz, desconfigurando natureza ao redor, com prazer indescritível de criança. criança que perdura in pintura

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

tive um amigo que virou quadrinista
via ouvia a vida dum bar de quase esquina
diagonal era a fronteira a transformar em quadro
mas tudo acontecia entre
exatamente onde delineiam-se linhas de quadros e retângulos das cenas
ali escondeu-se a vida ao quadrinista medíocre
assim como eu teve sonhos inspirados, estéticos
dorme comumente afogado na decepção da crença sobre o que observa

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

sempre que eu olho para esse meu perfil memória eletrônica, relembro esse quem não sou, esqueço o que poderia, de fato, ou em ato, vir a ser. sou menos, sou tudo, tenho graça. morro em carne quase sempre, revivo eterno e inanimado até que alguém me encontre na rua, perceba quão sem dotes posso ser, quão simples e bobo, quão ridículo, absurdo, sem sentido. o eu eletrônico tomou conta. acho que são ares de dezembro. um tempo de desligar-se. aquele ciclo capitalista ou astronômico. whatever. demos um google, aí.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

de tão exausto
vomitei o amanhã antecipado
sabor amargo de ontem não vivido.

incêndio no centro

estalos dentro do sonho, passos, muita angústia. acordo de susto perto das três da manhã. seguem os estalos, inquietação; de repente, sirenes. vou até a sala e percebo uma luz alaranjada na parede, ela sibila e é linda. o fogo sempre nos seduz. fico até quase quatro horas acordado assistindo a enorme chama consumir o prédio à distância. tenho curiosidade, mas não é isso que me tira o sono. é a cor alaranjada que sobe, talvez purgando as almas das vítimas que ali carbonizam. a madrugada de segunda deixa de lado o silêncio habitual, há movimento nas ruas, luz nas janelas dos prédios, estamos despertos. dormimos os dias inteiros e acordamos quando o fogo ou a morte nos visitam. chá ou café?

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

quando não é um caminhão lixeiro que me tira da cama do sétimo andar, no sétimo sono, para atirar-me ao contêiner animado do consumo metropolitano, é o subgrave de uma saveiro que faz trepidar da janela a cama, passando por meu coração, rins, intestinos e espírito. respiro tonto, em sono profundo, finjo que deleito a vida intrépida da cidade. a noite é criança estúpida e desajustada, eu insone traiçoeiro. com hábitos de saúde, mas à espreita de um instante a mais de inconsequência, ou inconsistência na palavra ou no verbo. a verve deitou-se em prolongado inverno. sem aberturas. sem descobertas. tonta e alheia ao fogo fátuo e seus mistérios pós sonho lúcido. 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

avança sobre nós o olho do furacão
(ali onde dizem estar o silêncio do universo)
água da chuva escoa tinta loura de teus cabelos pelo chão
granizo esculpe minha face expressão de horror
de carona no vento, rapaz corre muito mais do que com sua Ferrari
não é o apocalipse porque não li a bíblia
é só um tropeço cósmico chamado vida e suas cores sujas


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

visita

cheiro de lençol guardado que se agita quando preenche aquela cama de visita, esperada, celebrada, exausta, mas faminta pela prosa. como é bom adentrar a madrugada nesse espaço de ninguém, essa atmosfera aconchegante do encontro, essa cama recém arrumada, que aguarda tanto tempo no armário pelo calor do corpo, presença da amizade. como nos sentimos tão crianças quando nos deparamos com esse colchão no chão a implorar cambalhotas, tombos cegos, cheiros, tropeços no meio da sala. ansiamos por esse momento, explodimos em novidade que nem sabíamos existir, as vezes bebemos, outras só reafirmamos nossas índoles: imperfeitos, fofoqueiros, cretinos, pagãos. rimos dos tolos, do passado, das fantasias, inocências, afirmações. lamentamos a fugaz passagem do tempo, pouco antes de chegar o sol. dormimos de relance, a rotina dá novo impulso a rotação. o sofá volta a ser o centro da sala, a liberdade outra vez assusta, o lençol espera sobre o braço as tintas aromáticas e a maciez química do tanque. dormimos tensos, de ouvido atento, a espreita de qualquer estranha visita que justifique manchá-lo outra vez com a densidade vivaz do intervalo.

sábado, 2 de novembro de 2013

Obatalá

uma tarde dessas saí da natação e caminhei até a esquina onde uma casa de madeira sem pátio ou calçada me convidou ao passado. a grama era crescida e mau aparada, de uma fofura rara para os passeios urbanos. bem na esquina se erguia linda e carregada como anúncio do inverno, uma bergamoteira dessas selvagens, de mato, da casca fina, pequenina, tão difícil quanto doce e suculenta. olhei pra dentro da casa, pra porta da frente com aquela janela encostada, com certo receio de pegar uma. mas o pé estava tão carregado, que parecia pedir para aliviar o peso incompatível dos galhos. só um inverno imprime tanta fertilidade a bergamota, é um caso de amor, de cumplicidade, porque aquele suco, embora frio, nos aquece, talvez com vitamina, talvez com doçura para cruzar caminhos de gelo no nariz e vento da nuca a lombar (as vezes até o rego). comi três na descida.
ontem, prenúncio de primavera, desci do carro para ir à padaria e dei de cara com uma cerejeira, que um mês atrás espalhava perfume de flor pelo centro da cidade, plena Júlio de Castilhos (essa avenida generalesca!). vinha da natação e colhi algumas cerejas, essa verdadeiras, que mancham e avermelham as bochechas; suculentas e sensuais. lembrei da bergamoteira, que no meio do inverno, em plena produção, foi podada radicalmente. sobrou um toco na esquina, um tronco quase morto que agora conduz o passo ante o terreno íngreme. será que fui eu? aquele furto inocente teve relação com o extermínio? espero que não. e espero que essa peculiaridade frutífera da cidade dure, pois é linda. araçás, ameixas de inverno, pitangas, bergamotas, goiabas do mato, laranjeiras, guabijús, cerejas e caquis. uma quase metrópole que ainda frutifica de forma sadia e poética suas calçadas. que são mal cuidadas, porcas, irregulares e bêbadas, donde brotam árvores férteis a tornar amenas asperezas cotidianas. percursos adocicados pela natureza teimosa da vida insistente, que povoa campo bruto e místico, sem tempo para desfrutes. 

terça-feira, 29 de outubro de 2013

enquanto a Factory, o Warhol, o Lou Reed, o Stiff Little Fingers eram marginais, além deles o Ian Curtis, o Grinsberg, o Tom Zé, o Chacal, o Macalé, ... Eu pop digital. O que é a marginalidade nesse campo neutro da CIA? Onde é a margem da rede? é no nó, na conexão, na linha, no pixel, no código? O número de seguidores, a qualidade dos comentários, o potencial reprodutivo de uma cusparada? Há uma tímida sobrevida na rua, para quem se alimenta de detrito e escombros, o mais é sucesso, especulação e catarse evolutiva. Me dê a honra de ser a-histórico?

amigo inseto

adentro a madrugada, mas já em fuga, refletindo sobre o que a data 29 de outubro me fez e faz pensar nos últimos anos. sinto saudade de amigos que não vejo mais, de momentos, de sentimentos que tinha. tudo isso dói e impulsiona. porém vejo e por vezes encontro pessoas que não são mais elas, misteriosamente. elas não mudaram, elas deixaram de ser aquilo. e parece que quando nos cruzamos, num banco de café, numa fila de supermercado, estou diante de uma casca, um exoesqueleto de quitina desses, de besouro ou centopéia. casca dura, impermeável, rígida, seca e vazia, abandonada no pátio. parece que ali, tudo isso que me dói já não mora mais, misteriosamente sumiu. penso tudo sem remorsos, sem mágoa, mas como fenômeno mesmo. vai ver somos um pouco Artrópodes além de símios. e cínicos.

domingo, 27 de outubro de 2013

Laurie & Lou

lidei com um sentimento diferente hoje a tarde, ao receber a notícia da morte do Lou Reed. Através do Facebook notei homenagens, músicas, alguns comentários, logo abri um portal de notícias e na capa a confirmação. Antes de entender o significado, de abstrair as causas e consequências, pensei na Laurie Anderson, sua esposa. Já fui fã de Lou Reed, admiro sua obra, tenho alguns discos; certamente é um dos grandes personagens musicais da história. Nada disso passou pela minha mente ao vivenciar sua despedida. Pensei no luto de Laurie, na forma como recebera a notícia, nos derradeiros momentos, essas etapas marcantes que antecedem a perda. Me pergunto os motivos de sua imagem surgir assim, se tem relação com minha situação atual de proximidade com a família, o peito apertado pelo amor aos filhos, essas redescobertas cíclicas sobre o que realmente move a vida. Ou se essa intimidade deriva do breve contato que estabeleci com ela, nos camarins do Teatro do Sesi, tentando ser prestativo e acertar o acento do inglês ao mesmo tempo. Naquelas tardes e noites de extrema pressão, quando Laurie Anderson abriu o Porto Alegre em Cena, convivi um pouco com essa senhora elegante e de simpatia ímpar, que expressava gratidão em pequenos e contidos gestos, agia com respeito e leveza, em contraste à potência e vivacidade no palco. Na última noite, momentos antes da apresentação, ela chegou a me oferecer goles de seu vinho, que recusei, mas talvez isso tenha dado abertura para que eu a presenteasse com um CD de minha banda, SOL, No descompasso do transe retalhos do meu silêncio. Para minha surpresa, mas confirmando a sensação de conforto que o contato com ela favorecia, Laurie pediu que eu autografasse o disco, "it's yours? did you play? great!". Empunhei a caneta trêmula e timidamente, mas assinei com o pulso firme. Não tive qualquer pretensão com essa entrega, foi algo impulsivo, inexplicado, quase místico. Foi mentira, já não lembro mais. Espero que ele esteja bem nesse momento difícil, ainda não consegui pensar sobre o que será de Nova York, do noise ou de Win Wenders sem Lou Reed.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

eu brinco ou de fato carrego a angústia de nunca saber se verei o mundo amanhã com olhos de poeta ou de rei. não sei se voltarei a musicar palavras, se saberei articular melodicamente
minhas experiências traumáticas ou amorosas.
as desilusões
as terei? em que proporção ocuparão meu coração? ou minha dieta eficiente de carboidratos?
não sei se entendo porque preciso dessa aparência insatisfeita ou se a insatisfação é o moto-contínuo dos dias, dos minutos em silêncio contemplativo
guardo os poemas da adolescência, as músicas de quando loucamente apaixonado as declarações às amantes, às putas, às despossuídas
guardo tudo em fita magnética
onde o sentido já não é mais aquele
onde a voz infantil já é gutural
onde a própria memória já se apresenta velha e moribunda como minha teimosia de necessidade do poema
deite quieto, verme! 

domingo, 20 de outubro de 2013

eu artista eu biógrafo

"o artista vai onde o povo está"
e muitas vezes, traduzir o tempo em arte
significa aproximar-se, fazer concessões, ser polêmico
querer muito ser ouvido e amado
o artista sobrevive das incertezas
as suas e as de seu tempo
subitamente, a equação se inverte
amor e paixão distorcem as medidas
o público agora precisa dele
de suas verdades, de suas frivolidades
das formas intempestivas ou vazias
de entretenimento ou filosofia
consagrado, o humano entra em crise
não se reconhece, inebriado pela popularidade
vaidade compreensível e autêntica, porém ardilosa
quando o artista confunde-se com arte
quando imagina ser autônomo
sem necessidade de contato
da presença, do interesse pueril
porque sim, a tietagem sobrevive do mistério
a admiração é piegas e esse foi o caminho traçado
o criador sisudo morreu romântico tuberculoso
após as revoluções, as oportunidades combinam com as vedetes
delas dependem, a elas se amalgamam
e fornecem sentido ao realismo cotidiano
são o próprio imaginário concreto e sensível
é o ponto onde o artista não suporta mais
exige privacidade
pede o retorno a seu universo lúgubre criativo
repleto de melancolia e paz
como nos primeiros anos de anonimato
quando tudo que sonhava eram aplausos e afagos
ou apenas frases curtas e sinceras de compreensão
na condição de órfão, se imagina recluso
e conclama o público a defender sua individualidade
mas sua alma já pertence ao universo dos maus nascidos
dos herdeiros sem classe da mediocridade animal
ele se desvincula do escárnio onde repousam os homens
semi-deus reinventa o palco solitário da velhice senil
jaz improdutivo e amargo
capa da Caras ou de uma biografia não-autorizada

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

toda essa poesia que não vivi
corta-me sem lirismo
só com saudade
que nem sei donde
nem quando
nem como

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

há um eu cancioneiro
que atrapalha o eu ferreiro
na lida diária, sol a sol
mas sem viola, explico ao amoleiro,
adoecemos todos. eles, e o eu inteiro

domingo, 15 de setembro de 2013

sonhei ser jogador de futebol
sonhei ser músico
ser e só, também sonhei
não advogado ou médico
nem bon vivant ou professor
ou surfista, skatista, fotógrafo
foram poucas as expectativas
quase escassearam tamanha vida
minuto a minuto
permitida em tentativa

tento sempre, absolvo o fracasso
deito o sonho morto na varanda de casa
não se decompõe,
permanece observando a vida que vivemos
árida ou pulsante trêmula
ele é sempre melhor do que eu
o prefiro neutralizado
à sombra do carvalho
que nunca planejei plantar
onde firmei a base da casa da árvore
em que meu filho brinca
e sonha?

do machado, quero a liberdade.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

respeito o gato
respeito quem tem gato
respeito quem tem bicho
o único que tive
foi um porquinho da índia que a Ciça me deu
durou um dia e meia madrugada
um gato o comeu
respeito o gato

sábado, 10 de agosto de 2013

in vino veritas.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

sem êxitos literários ou musicais
família extensa e propensa a obesidade
devasso e autossuficiente como astro
abrigo versos sublimes em memória rota de guri vicejante
de guri nascido em asfalto borbulhante
território entre geografia sub

essas paisagens quase sempre nos derrotam
reconfortantes que são
diluem o agora não há presente
só a violência em suspenso da madrugada incomum
vivenciada a esmo apesar do ponto programado
de nossa sadia e matinal morte produtiva

sexta-feira, 19 de julho de 2013

mania de observar
ou de olhar entranhas
encaro os seres
homens, mulheres
crianças, vovós
cachorros, pintasilgos
não procuro a alma
não procuro afagos
nem mesmo correspondência procuro
é mania besta mesmo, metida
de íris na íris saber quem são esses
que passam tão seguros pelo meu caminho
enquanto eu bandido
fujo consciente do abismo

sábado, 13 de julho de 2013

Ex - nóz

Ninguém sabe porque
aquela nogueira nasceu
em meio a um pomar de
encefalogramas.
Sua noz tinha tempero de açafrão
e vida própria depois
de sete bilhões de frutas estéreis...
Mas a casca dura e as pernas prepotentes
conduziram toda sua gordura vegetal
até um novo combustível substituto.
Em breve nas prateleiras:
- Voe de graça até Saturno!
sem químicas, nem frigideiras,
sem sujeira e sem botox.
opa, retoques.
(aliás, re-tóxicos)
- i mean "re tóricos”.

13 de março de 2007

odEsteyo

De onde verte a dança
verte também
grande vingança
pequeno alvo
Acima da lei,
eu sei,
meu santo é forte dentro do buraco
onde estou metido
Nacido aqui
Morrido aqui mesmo

(em tórrido dia morno de 2001)

segunda-feira, 3 de junho de 2013

você acorda, lhe pego no colo
balbucio cantigas de pulmão
embalo com força fim de feira
lhe deito a cama onde em seguida me acomodo junto
rolamos um pouco, você coça minha orelha
arranha meu nariz, mastiga o bico com a vitalidade do sal
estala os olhos repetidas vezes em minha direção
quase sempre quando, em pensamento, resolvi levar adiante o plano de levantar
cochilamos por minutos prolongados quando formulo crenças sobre a saúde de seu sono
as discrepâncias ilógicas de seus estados anímicos
enfim, entre cada pequeno momento tento entender como você pensa
a forma como se desenha sua existência de dois anos
os arranjos de cor, de textura, odor e sentimento que vagueiam em seu corpo
sem referência à bíblia faraônica da educação infantil (que se estende por meia estante da sala)
tento decifrá-lo instintivamente através dos impulsos proteicos e sinápticos
parece muito mais químico do que metafísico

estaremos sempre fadados a nossa própria compreensão
há certa distância intransponível entre ser esse eu mais um outro
enquanto você pertence ao universo livre das teias da aprendizagem
é uma autossuficiência rudimentar de pai
mas permite suposições irracionais como se eu habitasse campo privilegiado
o monte estratégico: Sinai, Corcovado, Santa Teresa
sou omisso ou não entendo de geografia
nos coloco em planos iguais e te miro de baixo
de onde os inimigos costumam decifrar os enigmas mais vis
já estou com sono, já estou com fome, já não lhe espero mais
passamos por todos os momentos e permanecemos sós
fechados em nossos corpos de meninos crentes
há uma prisão que resguarda o que fomos
esses momentos onde só fui, porque te supus
mesmo que na temperatura equivocada e no tempo imperfeito
mal conjugado e mal interpretado
mas estava ali, zelando tua vida, enquanto alimentava a minha.  
Aprendi com um professor de Antropologia:
o intervalo é obrigatório
o intervalo é indispensável
só o silêncio lunar faz a aveia brotar
tal professor foi processado dois anos atrás
por uma aluna, assédio sexual
broto maroto? colheita tardia?
li num intervalo de aula
no jornal que peguei sobre a mesa da cantina
enquanto tentava fugir do olhar
de uma aluna linda, sedutora e emancipada
tímida e escancaradamente emancipada
pelo intervalo entre  
a assinatura do filho na caderneta poema
é sentença coesa de que a obra está feita
sem reparo ou desamparo o pai inventa a eficiência
em linha inversa, porém tensa do rígido caminho ou centelha
que razão pode ofertar se o bloco é caos descontente?
e agora o filho (assinado) mora dentro.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Nalguns eventos sinto o tempo
no rosto de meu filho e de meu pai
(e no quanto não são meus)
nos braseiros que se extinguem com as conversas
na bola que passa sem que eu possa cabecear
na cabeça que passa embolada demais pelo tempo que nunca desfaz a sensação de perdê-lo
sem nunca, never, jamais, tê-lo ganho
areia fugaz de todo tamanho do tamanho todo do estar.
relativo?

quinta-feira, 2 de maio de 2013

quase antídoto a burocracia
musicamos as anomalias serenas
as permissíveis apenas
públicas
hábeis ao afago do amigo
nunca confidenciamos tudo
porque, à sombra da carência,
coração é mudo

sábado, 20 de abril de 2013

o medo cerca a infância
o medo cerca a adolescência
o medo cerca a idade adulta,
a velhice, a morte, a chegada em Valhala
e enquanto isso, temo não ser um bom pai
o melhor pai do ano
(ou algo que o valha)
"quando vê já chegou"
comenta o Henrique em relação a velhice
e nos vejo barbudos
cientes, sapientes, medrosos
como nunca antes
como sempre
como sempre
mas zelosos pelo bom afago e humor
há mesmo uma vida pela frente?
(ou ela se foi de vereda, ficou no retrovisor)

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Neruda y Coltrane

ardente paciência
nas horas calmas do perdão
ausência e consciência
supremo amor
sublimação
desconfortar confortável
saudade ardor
lira em teus braços
o continente e o solista
o sóbrio e o desequilibrista
uma ilha em flor
oceano à vista
a transpor naufragar
superar conquistar o mar
devo arriscar
eu a isca?

sexta-feira, 5 de abril de 2013

há 36 alarmes bradando aqui no Centro
e eu com medo
de ser o próximo a bipar sem segredo

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Se todos são poetas na adolescência
(como diz Leminski)
que adolescente sou eu nessa poetessência sem fim?
que sequer um silogismo sei decifrar?
vivo vejo tudo em quinta potência
com os ânimos puberlibidinosos
de minhas tardes virgens no Nepal
conviva do gelo egocreptocêntrico da timidez mais rude
abocanhando, a rubra face, todos os beijos e lenços pelo caminho até aqui
hoje, tento rasgar o ventre feminino da poesia
pra ver morrer o homem e nascer o nome
adultecer?


segunda-feira, 1 de abril de 2013

- viu em Porto? 10 mil manifestantes pela redução das passagens.
- falta agora a volta dos artistas. Da voz.
- manifesto por versões do Ivan Lins em horas de descuido.
- Por gente sorrindo, por descuido, nas ruas.
- Por descuido, por gente, por ruas.
- Ruas seria bom.
- Ruas, de passagem.

quinta-feira, 28 de março de 2013

tive um filho chamado Benjamin
perdeu e venceu
e teve a vida encerrada
num trunfo de esquina
uma aversão ao desatino do progresso
mas era de sobrevida que falávamos
e essa durou mais de nove décadas
insuficientes para enteder a glória, o sucesso, o benfazejo
não há razão para o bom senso
sequer bondade
tudo sempre é uma questão de ordem
para os Benjamins
e para os eficientes
para os que dormem
e para os que estão a frente da sociedade das franquias mórbidas
dos seguros, das apólices, das realizações enigmáticas
meu filho era só mais um
que comeu ovo cru da galinha errada
(não, não foi o cú da galinha errada, não)
foi a própria descendência dela
e tudo que poderia dar certo ou sucumbir
ou algo entre essas linhas
esse morno em ré sétima
de quase toda rapisódia

quarta-feira, 27 de março de 2013

inapto a competição
sou rato traído por seu rabo
tão macio e matreiro
quanto inútil

segunda-feira, 25 de março de 2013

sim, tenho um blog
não me orgulho
seu valor inestimável
é a impessoalidade
com que consigo ler-me
apesar das entrelinhas binárias
do sabotamento
do desejo
das milícias ideológicas
sim, ele mente
mas a falsidade é o ciúme
do que não fui
ou do que já não sou
enquanto escrevo
sobre carícias de forasteiros
que leram
mas nunca foram além
do olhar rasteiro do verbo
eu fujo do coelho porque é de chocolate
alcoólatra, tem aroma ácido
arremedo de cacau maduro
colher de mito, rastro de qualquer coisa que flutua
que permeia a sombra donde não passamos
qualquer coisa que encerra o destino dos astros
antes do Big Ben
da ceia marcada
do horário nobre
da metafísica dos barões
da política incompreendida dos anjos
os dissídios roídos pela hiperinflação dos afetos de esquina
(de passagem, roubei um beijo da bailarina estátua mendiga
hoje ela lembra, chora, se movimenta, desaba e me estima)
foi a última fagulha de sinceridade
antes do sábado sangrento de aleluia

sábado, 23 de março de 2013

"pai, falta pouco pra dez anos, né?"
sim, tá quase na metade.
E aí eu dedilho pra você Armadilha
"Falta pouco tempo, eu sei, mas quando a gente é pequeno"
ar rareia no pulmão
lágrimas destilam as memórias
escorrem sem cessar
tento contar em som o que é essa sensação
de ver o dia amanhecer no olho do filho
uma púpila tão viva que não mais terei
"Armadilha" é a música que me fez entender o que é o violão
o que ele faz com a gente, lá dentro
esse pedaço oco de pau seco
que nos entrega aos leões
de acordo com as mãos do navegante
(acordes aos prantos)
armadilha é ter o filho
e ver o tempo passar
quando antes só dedilhava os dias

sábado, 16 de março de 2013

enquanto eu puder violar o ar
violejo matuto
do meu viomundo
veludo violeve
violo sem viola ou vitrola
o ar seco mudo
de violação

quinta-feira, 7 de março de 2013

um goleiro do Flamengo
encomenda a morte
da mãe de seu filho
uma atriz pornô
de talento e expressão
depois de assassinada, esquartejada
é entregue a cães ferozes
que devoram seu
corpo e coração
e o goleiro ainda defende o Flamengo,
sua imensa torcida, inocência, decência, malícia...
a vida imita o futebol arte.

terça-feira, 5 de março de 2013

o coração viajava a 120km/h dentro de um ônibus
mas o tempo escorria lento
embora as pulsações
(distorcidas no espaço-tempo)
soassem leves
sangue fervente
a jato, prestes a romper barreira do som
coração vertia água
tempo ainda mais lento
pressa parecia acordar o sentimento

coração repousa sobre a terra fervente
sua batida é densa e drástica
respira o planeta estático
(que também viaja no tempo)
cessaram as buscas
embora seguro, não deseja mais
apenas aguarda fim do dia e dos tempos
espaços?

a noite é meu oriente.

segunda-feira, 4 de março de 2013

não sei se essa pequena felicidade
essa tímida e efêmera ânsia
pode se compartilhar assim
em sentidos tão grandiloquentes
nenhuma felicidade é certeza
pois parte é surpresa de evadir-se
em alamedas que não mais chegamos
pisando simplesmente, repetindo passos, sorrisos, atos

ao mesmo tempo novidade e memória
escondida entre os átomos,
a felicidade não se revela
é filme guardado em gaveta íntima do quarto
repleta do silêncio úmido e empoeirado das gavetas
alérgica, é metade Vênus, metade vírus
se inteira, já morreu.
vive como vivem as estrelas extintas
do cinema, do cinema.

domingo, 3 de março de 2013

é madrugada e recordo
que eu quando pequeno
não temia o trovão
talvez fosse o tempo certo e agora é tarde
quem sabe a infância ainda arde?
enche o meu querer
de coragem
de verdade
de bondade inocência
nunca combinar açúcares e a multidão
não há execução perfeita pro meu canto de amor
mesmo assim, será que o posso sentir?

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

mais poda
e talvez floresceria
mas sou homem folha-galho vôo livre
sempre a espreita e a procura do espaço
desatento a cor e a forma da flor
mais poda
e talvez floresceria
para morrer em cor, doçura e decência
no chão úmido, frio e bem adubado do pátio.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

eu poderia estar matando
eu poderia estar roubando
eu poderia estar aterrorizando
mas para seu azar sou só um escriba compulsivo

domingo, 3 de fevereiro de 2013

ontem eu não te vi
e não mais te vejo
sempre
sempre que alimento
esse sabor intenso
de tudo que não fiz
padeço nesse eu mesmo engasgado
sempre tão certo de si
imenso, inacessível e tenso
como aquele guri
de quando nos conhecemos
de quando fugimos desavisadamente
para uma sombra no parque
para um bosque que nunca existiu
saboreando frutas visionárias
imagens e probabilidades
tenho medo de puxar assunto
tanta vida é sempre um abismo
suga ou gela o pouco que temos
o pouco que nos tornamos
mesmo repletos de dúvidas
mesmo desdenhosos com os espelhos
tanta vida entre nós
ilumina primeiro o olhar
depois fz cintilar essa brasa fosca detrás da nuca
esse calafrio que é a própria existência
tenho medo sempre
menos pelo que sou
do que pelo que não fui
temo.
temo
e receio
e calo.
estrela cadente linda
fiz o pedido:
- cai mais uma
mais uma caiu
fiz o pedido:
- cai mais uma
mais uma caiu
fiz pedidos até a manhã
final da chuva de meteoros

um dia uma estrela cai