quinta-feira, 28 de março de 2013

tive um filho chamado Benjamin
perdeu e venceu
e teve a vida encerrada
num trunfo de esquina
uma aversão ao desatino do progresso
mas era de sobrevida que falávamos
e essa durou mais de nove décadas
insuficientes para enteder a glória, o sucesso, o benfazejo
não há razão para o bom senso
sequer bondade
tudo sempre é uma questão de ordem
para os Benjamins
e para os eficientes
para os que dormem
e para os que estão a frente da sociedade das franquias mórbidas
dos seguros, das apólices, das realizações enigmáticas
meu filho era só mais um
que comeu ovo cru da galinha errada
(não, não foi o cú da galinha errada, não)
foi a própria descendência dela
e tudo que poderia dar certo ou sucumbir
ou algo entre essas linhas
esse morno em ré sétima
de quase toda rapisódia

quarta-feira, 27 de março de 2013

inapto a competição
sou rato traído por seu rabo
tão macio e matreiro
quanto inútil

segunda-feira, 25 de março de 2013

sim, tenho um blog
não me orgulho
seu valor inestimável
é a impessoalidade
com que consigo ler-me
apesar das entrelinhas binárias
do sabotamento
do desejo
das milícias ideológicas
sim, ele mente
mas a falsidade é o ciúme
do que não fui
ou do que já não sou
enquanto escrevo
sobre carícias de forasteiros
que leram
mas nunca foram além
do olhar rasteiro do verbo
eu fujo do coelho porque é de chocolate
alcoólatra, tem aroma ácido
arremedo de cacau maduro
colher de mito, rastro de qualquer coisa que flutua
que permeia a sombra donde não passamos
qualquer coisa que encerra o destino dos astros
antes do Big Ben
da ceia marcada
do horário nobre
da metafísica dos barões
da política incompreendida dos anjos
os dissídios roídos pela hiperinflação dos afetos de esquina
(de passagem, roubei um beijo da bailarina estátua mendiga
hoje ela lembra, chora, se movimenta, desaba e me estima)
foi a última fagulha de sinceridade
antes do sábado sangrento de aleluia

sábado, 23 de março de 2013

"pai, falta pouco pra dez anos, né?"
sim, tá quase na metade.
E aí eu dedilho pra você Armadilha
"Falta pouco tempo, eu sei, mas quando a gente é pequeno"
ar rareia no pulmão
lágrimas destilam as memórias
escorrem sem cessar
tento contar em som o que é essa sensação
de ver o dia amanhecer no olho do filho
uma púpila tão viva que não mais terei
"Armadilha" é a música que me fez entender o que é o violão
o que ele faz com a gente, lá dentro
esse pedaço oco de pau seco
que nos entrega aos leões
de acordo com as mãos do navegante
(acordes aos prantos)
armadilha é ter o filho
e ver o tempo passar
quando antes só dedilhava os dias

sábado, 16 de março de 2013

enquanto eu puder violar o ar
violejo matuto
do meu viomundo
veludo violeve
violo sem viola ou vitrola
o ar seco mudo
de violação

quinta-feira, 7 de março de 2013

um goleiro do Flamengo
encomenda a morte
da mãe de seu filho
uma atriz pornô
de talento e expressão
depois de assassinada, esquartejada
é entregue a cães ferozes
que devoram seu
corpo e coração
e o goleiro ainda defende o Flamengo,
sua imensa torcida, inocência, decência, malícia...
a vida imita o futebol arte.

terça-feira, 5 de março de 2013

o coração viajava a 120km/h dentro de um ônibus
mas o tempo escorria lento
embora as pulsações
(distorcidas no espaço-tempo)
soassem leves
sangue fervente
a jato, prestes a romper barreira do som
coração vertia água
tempo ainda mais lento
pressa parecia acordar o sentimento

coração repousa sobre a terra fervente
sua batida é densa e drástica
respira o planeta estático
(que também viaja no tempo)
cessaram as buscas
embora seguro, não deseja mais
apenas aguarda fim do dia e dos tempos
espaços?

a noite é meu oriente.

segunda-feira, 4 de março de 2013

não sei se essa pequena felicidade
essa tímida e efêmera ânsia
pode se compartilhar assim
em sentidos tão grandiloquentes
nenhuma felicidade é certeza
pois parte é surpresa de evadir-se
em alamedas que não mais chegamos
pisando simplesmente, repetindo passos, sorrisos, atos

ao mesmo tempo novidade e memória
escondida entre os átomos,
a felicidade não se revela
é filme guardado em gaveta íntima do quarto
repleta do silêncio úmido e empoeirado das gavetas
alérgica, é metade Vênus, metade vírus
se inteira, já morreu.
vive como vivem as estrelas extintas
do cinema, do cinema.

domingo, 3 de março de 2013

é madrugada e recordo
que eu quando pequeno
não temia o trovão
talvez fosse o tempo certo e agora é tarde
quem sabe a infância ainda arde?
enche o meu querer
de coragem
de verdade
de bondade inocência
nunca combinar açúcares e a multidão
não há execução perfeita pro meu canto de amor
mesmo assim, será que o posso sentir?