quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

peixe que vive num violão cheio d'água
e se alimenta da vibração aguda das cordas de tripa

terça-feira, 28 de novembro de 2017

passamos um bom tempo ensinando nosso primeiro filho a ir sozinho para a cama. agora, com o segundo, toda vez que lhe entrego ao leito, acalentado e protegido, amado, mimado, cheio de paz, serenidade e sonolência, sofro uma faísca de angústia no peito. ele já dorme sem o meu zelo, já sonha cenários onde não estou (sequer para dar um aceno).

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

a menta mente que é quente
enquanto refresca
ardente

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

no centro da cidade há um arranha-céu de frente para o parque. o melhor (porque único) parque do centro. o morador do prédio fez questão de comprar ali, pois tem vista para o parque. que ele já não frequenta pois está inseguro. a vista é linda. apesar da sombra que o prédio projeta. mas a sacada é ensolarada. o brasil é esse apartamento. e estamos presos nele. só nos sobrou a vista (com direito a banho de sol). estamos inseguros e tudo que erguemos faz sombra. e parece que vão começar a servir canapés, ao som de Geraldo Vandré...

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

na cidade 24 horas um fato na madrugada é um fato comum
e sou apenas mais um em busca de atenção na sacada
ninguém subirá
por mais que entoe as boas canções
enumere razões para um bom papo
a madrugada metropolitana desconfia de si sem o álcool
desconfia de mim, pois não vi a lua nascer
não estou pronto para a festa
esperneio com a vitalidade que me resta
essa inútil, desaventurada seresta em tom maior
não há destinatário, puro eco d'eu mesmo
pura insuficiência de sê-lo
a esmo
na madrugada teimosa da cidade noite
nessa constância indecente entre sol e sombra
contínuo que seduz e assusta
não há dano
se ninguém me julga
não há dano
para rebelar-se contra a luminosidade d'ontem
hoje é já
sempre

11/05/2017
minha agonia não tem relação direta com lugar algum
a questão não é voltar
minha geografia já transcendeu
o aperto está na impressão de que esse tempo
comprimido como um desafio
ou uma espécie de esforço
um estar junto acima das possibilidades
tenha sido a melhor fase de nossas vidas
a mais pacífica e determinada
a mais envolvente e intensa
irritante e transbordante
felicidade plena e saturação
amor e pasmaceira
quero uma folga, no mar ou no trabalho
mas já estou nostálgico dessa simbiose absurda a que nos propomos
e aventuramos com afinco
independentes, mas abertos
egoístas, mas afáveis
na medida da saudade antecipada
sensação estranha, febre vindoura
não é medo do futuro, é tempo sendo tempo
matéria entre 
entre matéria


(antecipando a angústia de estar de volta, Barcelona, 23 de julho de 2017)

terça-feira, 17 de outubro de 2017

até o par é ímpar.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017


sempre admirei (e sempre quis ser) essa chuva miudíssima noturna (a de molhar bobo), que só enxergamos contra a lâmpada, oscilando como se fosse insetos desordenados pela tontura da luz. sou gotas grossas e desengonçadas. raramente acerto o alvo, mais visível que elefante, impassível, deselegante. sou água torrente despejada do céu como pranto ou mijo, mijo doente de peste incurável, hereditária. sou chuva precária. migalha. navalha. sou quase água, sou nada. chuva abafada pela secura das vestes. gota graúda que deságua porque teima, teima e se despede. rumo ao leste, rumo aos lestes, quase nortes.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

enquanto uns vomitavam, outros diziam que era arte. tudo isso antes do almoço.
vi a pouco a lua. exatamente a metade. não é fiapo minguante, nem é a cheia que invade. ninguém chamou pra lhe ver, ninguém chorou sua ausência. fotografia nenhuma, talvez por algum incidente. não há pranto nem prece para essa lua mediana, pra essa lua de araque, para essa lua humana, meio metade vulgar, meio assombrosa deidade.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

atropelamos um enxame de abelhas na estrada, campos de cima da serra. explodiram no para-brisa, irreconhecíveis. o susto desse gotejar amarelo pastoso no vidro gerou uma mistura de cinema e misticismo. o que significa isso? o que vem a seguir? roteiro ou maldição? desfecho ou prece? chegamos vivos e notamos que uma abelha se salvou pendurada no limpador. bom presságio ou capítulo dois.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

hoje (21 de maio de 2017)


hoje eu sou só aquele poeta morto que sempre esteve solto entre você e o vulto transparente em meio a pia e o box do banheiro. poetinha de samba de chuveiro que faz renunciar o preconceito final de domingo. poeta que ama bingo, que louva gringo, que paga fiança de amigo do peito e do patrão (desde que valha o pão que o coiso amassou). hoje eu sou só um poeta, e bom pecador. não mereço condenação, a propina foi sangue, a ruína o botox. que poesia há em ser lírico quando já substituímos o carvão? nem mesmo a gasolina é parâmetro ou tom. meu poema é pós-humano, é dodecafunk. está a milhas e léguas de qualquer sabor, pois destila os sentidos em paraísos fiscais. nas ruínas de Sísifo, nas cordas do boxe. é um sequestro de palavras, é uma lástima, é um dom. tudo acumulado, ao contrário do refrão, tudo acumulado, como se o cúmulo fosse bom, como se o acúmulo ainda fosse o tom do século. o acúmulo é o eco, o estampido é seco. nem à ressonância temos direito, já está tudo liquefeito, estatuto liquefeito. mas te telefonei e ofereci a confissão, preferiste o perdão, quem dera fosse efeito da vida. ela o renunciou, desde os Lusíadas, nem Camões esperava estar sóbrio para comer a América, ébria, como uma máquina do tempo, como o sentimento piegas de Judas e São João. a América é um álibi, o último álibi, que ainda destoa apesar da bolsa de valores, do pregão e da penetrabilidade das frases de efeito made in China or Made in France. a renascense ao avesso é uma nascença (em dó maior). dor maior?

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

pra lá do fim de tudo que aniquila
alguma coisa cintila
alguma coisa cintila

terça-feira, 22 de agosto de 2017

toda noite agora o vento assobia.
as vezes penso que é assédio.
as vezes acho que arrepia.

terça-feira, 9 de maio de 2017

aprendi russo para ler
Maiakovski
virei russo para matá-lo

terça-feira, 18 de abril de 2017

enquanto a segunda-feira é tão malvista, quando vira a melhor madrugada já é terça.
tão logo os filhos dormem e a casa silencia, um pai vai até a sacada, está apreensivo, foi muito duro com eles hoje, ontem esteve trabalhando o dia inteiro, logo mais sai cedo e pode ser que chegue tarde. mas no fim de semana fez de tudo, brincou muito, deu presentes, tem sido amigo, ganhado e recebido carinho, mas as vezes perde a paciência. mesmo bem aconselhado, bom leitor, de família gentil e feliz, esse melodrama mental se estende, e repete-se noite após noite, com maiores e menores intensidades. a vida segue seu rumo e, na medida do possível, aconselharíamos esse pai a beijar, cheirar e amar estes filhos tão intensamente que os fizesse transbordar. porque mais dia, menos hora, se a família tiver sorte, chegará o momento em que toda essa preocupação abstrata explodirá concretamente no colo do pai. momento em que o desencanto natural de quem precisa encarar a vida em voo livre, provoca. estes filhos, sem pudores, se a personalidade assim o permitir, julgarão esse pai sem mácula, pelo que fez e pelo que não. tanto as ausências quanto as presenças serão balizadas e, na névoa do tempo, na fabulação da memória, tudo poderá ser. o que restará desse escombro? ora, se não foi negligência, se aquela inexperiência foi sincera e se a entrega foi legítima, prevalecerá a criação. é óbvio que o mundo da vida também produzirá essa criança, o eterno debate se o homem é o lobo do homem ou se a pureza é seu destino inevitável. mas como reorganizar o presente sem aquelas pequenas chamas de afeto na memória? diria a esse pai que ainda vale errar pelo excesso, dormir no aconchego dos braços desse filho, mimá-lo, não de manias, mas da proteção acalentadora da felicidade paterna, da luz que preenche o coração, madrugada adentro com o zelo. creio que se o filho experimentar, do peito de seu pai tal plenitude, as angústias do adolescer se resolverão numa partida de xadrez.

segunda-feira, 27 de março de 2017

não te peço que me leia ou que me ouça, peço que me calce.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

tudo tem dono, quando falo democracia, quando fujo pra Bahia, quando peço anarquia, terreno de batizados. até quando invento canções, ensejo afagos ao nunca antes visto, sou carta marcada no baralho do Mefisto. na cova ou nos braços da minha amante poliamorosa e progressista, ao final, já tem dono nossas carnes, nosso niilismo materialista.