sexta-feira, 22 de junho de 2018

(um reggae deprê dos anos 1990)

céu cinza flor de prata
em meu colo eu não queria mais
nem tanto faz ou tanto fez demais

meu coração não aguentaria tanta cor
não fosse o amor

quantas cantigas cantarei
tentando viver a luz no quarto escuro enquanto lá fora
aves não cantam e tudo encharcam as gotas do meu penar

traria a fé nas coisas boas se coubesse em mim
mas eu sou tão ruim

segunda-feira, 4 de junho de 2018

é comum no interior Espanha encontrarmos múmias. o clima favorece esse modelo de passagem para o outro lado. o clima ampliado, encontro da geografia com as humanidades. aqui na serra tem sido comum encontrar pessoas dormindo na rua, hoje mesmo cruzei um casal, aconchegados sob uma coberta branca que protegia da garoa fina. me interpelaram por uns trocados para um cachorro quente, quase 11 da noite, quase 10 graus centígrados. achei aquelas poucas moedas incapazes de amenizar ou projetar futuros possíveis. agradeceram. quando nos deparamos com múmias e pessoas na rua há uma tendência de remissão ao passado. o que veio antes? por que? das causas materiais às espirituais, tudo se resumirá em intriga, juízo ou imaginação. olhar essas figuras em sua presença, as múmias e o casal na rua, é um esforço incômodo demais, quase inconcebível. não há antes na sensação de frio, não há depois para os aprisionados pelo casulo de um corpo morto. presenças que nunca distraem ou vagueiam. irrompem na cotidianidade do fluxo, no turbilhão das notícias ou no passo apressado para casa, rumo ao cobertor. não há porque tatear o passado quando todos os presentes se sobrepuseram como barbárie. nenhuma explicação será possível, nenhum centavo ou cortejo fúnebre justos. estamos eleitos pelo que vimos a cumprir a estrada cambaleante da humanidade rumo a sua falta de sentido. acumulando presentes na bagagem, como fósseis.