sexta-feira, 27 de junho de 2014

a janela dos fundos dá para um labirinto de fundos de prédios. por não serem fachadas, os fundos não são fotogênicos. acumulam fuligem, escondem segredos. cada aquário revela uma sílaba secreta de libido ou crime. desafiam leis da física e do condomínio. os fundos dão para os fundos. se merecem, se pertencem. não há ar detrás dos vidros. nem humanidade. o sol só penetra pelas fachadas. os fundos clamam pelos fungos, pelas bactérias, pelas poeiras cósmicas invisíveis. os fundos dão para os fundos. até nos darmos conta que vivemos voltados para eles. fumando nossos cigarros escondidos, ou espiando alguma brecha de vida no desaconchego da grama do vizinho. os fundos dão para os fundos para os que tem alma de encarar a umidade. aí onde a vida abunda e a claridade é quase sempre mal interpretada. os fundos dão para o mundo.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

passei por uma cidreira plantada num canteiro de calçada. não a colhi, só roubei o aroma. tinha certa pressa. da parada, enquanto esperava a lotação (sempre atrasada) ainda observei a touceira, seus galhos invadindo a passagem, furando olhos transitórios. transitólhos. mais tarde senti um desejo irresistível daquele chá. pedi uma xícara no bar e eu mesmo naufraguei a fronha aromática na água fervente. borbulhante. o vapor refrescou minhas lentes. desanuviou. mas quando provei não era o sabor que eu queria. acho que o desejo era duma cidreira de calçada, onde esfregaram-se os pedestres, que teve o caule cortejado pelos cachorros, as raízes roídas por ratazanas de rua. aquela cidreira mais cinza que verdejante, com um sabor peculiar do gás intransitivo dos escapamentos da cidade. cidreira com história. cidreira de carnes.