quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

o solstício, o equinócio, o Natal, disputam o lugar de transição entre estados de sombra e de luz. pontos de virada. no mundo em guerra, apaziguamento falso. distante dos nossos, gelo. o acúmulo da presença ou o vazio gástrico da saudade. tempo de opostos que nos constituem, peru com farofa e molho agridoce, cantigas de Natal e bossa anos 50 para terminar em choro. coro de Natal sem ensaio, puro colesterol.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

inquieta, prestes a cruzar o Atlântico, a andorinha sabe que o voo é um detalhe do pouso. a asa, o osso preenchido de ar, o fôlego, o pulmão, o bico e o cérebro pouco importam. na gordura da pata define-se a sorte, quando se tateia o solo. vida ou morte. frio ou tropicalismo. rumor dialético da pele.
humanidade é a arte de trocar um punhado de convicções por uma surra de cacetete.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

quanto mais a situação se agrava, do meu ponto de vista, mais eu entendo os opositores, que se negaram a aceitar um modelo de sistema que não acreditavam. é difícil produzir, viver, estar disposto a entregar-se para uma realidade com a qual não nos sentimos parte. a cada dia sinto mais desespero e falta da arte, ou daquela expressão minimamente contestadora e improdutiva que brota e se traduz nas madrugadas. quando há um espaço de contestação estético, fora dos aforismos e demagogias imprecisas dos vocabulários ideológicos que nos enjaulam. pulso, como única alternativa de existência, em ritmo e sentido incompreensível, no desvelo das noites, silêncios possíveis, penumbras.
não inveje-se-injete-se. a inveja é uma m... era. a coma do vizinho é sempre mais cômoda. ao espelho, despenteio-te.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

agradeço muito por tudo que aprendi, fora da escola e da família, com os amigos. o skate, o surf, a coragem de desafiar o equilíbrio. o violão para o fim do domingo ou para quando era preciso improvisar, sob fogueira, falta de luz, luar. o desenho impreciso da caneta bic. as frases soltas que viraram estrofes em caderninhos. o primeiro elogio a uma composição. jogar videogame e saber quais eram os jogos e os caras certos nas locadoras. a vontade de ser diretor de cinema, de fazer filmes, de expressar algo por ali. formas preciosas e matreiras de dar aula ou de recebê-las. amigos me ensinaram tanto! tímidas programações no computador ou passeios loucos de bicicleta. até teimosia, cólera, tesão irreprimível, me ensinaram. a cortejar as meninas e a ir nas festas. ser contido e falar o mínimo possível em caso de desejo muito intenso. fumar, beber, cheirar, respirar a vida como um inexperiente. remar, jogar futebol, basquete, vôlei, detetive, peão, bolita, Scotland Yard. algum me apresentou Funkadelic na madrugada e In a silent way, de manhã. era o jeito certo de ouvir, nunca ouvi diferente. Chet Baker e beijos demorados. praias de Santa Catarina e os atalhos entre a Pinheira e a Guarda do Embaú. evitar o crowd, evitar os bêbados em fim de noite, evitar as brigas previamente perdidas. mas me ensinaram a brigar, também. bati e apanhei muito. ouvir discos esquisitos, revirar balaios de fitas cassete, depois de cd's, de volta ao vinil, o que me ensinariam hoje? aprendi a usar os pedais, delay, distortion e wha-wha foram os eleitos. ser baixista, fazer cara de baixista, ter suingue de regueiro, cabelo com jeito de sujo, embora empestado de Seda Ceramidas. o Rosa, a plataforma, o banks, os bares baratos e os namoricos de ocasião. todas essas e tantas outras lições vivem em mim. a cada ação dessas sou esses amigos, celebro essas vidas aqui dentro. é quase uma certeza imaginar que a grande aventura é saber aprender, humildemente, sem a infantilidade da honra, sem a crueza da teimosia. aprendi muito e sempre. mesmo com os chatos, que não foram poucos. sei o que não dizer, sei como não ser, sei onde não ir para revisitar as rotinas de tempo perdido. para tanto, perder tempo foi imprescindível. mais do que necessário. e tudo que aprendi (e o que não aprendi, como voltar de back e fluir sem medo no skate vertical) são gratuidades. pequeninas homenagens mortas na memória imperfeita daqueles dias juvenis. toda onda e em cada acorde uma voz me ensina, repete aquelas falas, não consigo esquecer. é uma falha de caráter? uma carência? não sei. são tantos que vivem em mim, somente pelo que aprendi desavisadamente é que sou. tantos e hoje, imateriais.  

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

o padre me manda um aviso, doze badaladas. meu ouvido é um agente infiltrado. minha religião é esse assobio do vento, que fez escala na Patagônia.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

um dia conheci um poeta
à época era uma ilha
hoje vulcão, desativou-se
mero homem que boia

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

(à mes amis)
quando você nota que acostumou-se com a saudade
já é tarde
queria uma concha que levasse algo além do barulho do mar...

Mar ao sul


Graças por dar o teu bom presente ideal
é o estado de estar ascendendo à calma
onde tudo já vi antes mesmo do tempo
Já estamos tão perto
De alvorecer
deixa a pandorga ao vento esquecer o cordão
na imensidão azul
O mar ao sul
é o meu rincão

* música perdida entre os 2004

terça-feira, 4 de outubro de 2016

sempre que tardas, ardo. e regressas, pelo crepitar das brasas. não é mais acalanto. sonho flamejante.
alta madrugada, um homem passa pela rua declamando poesia aos mortos. não pede votos, mas já é meu candidato.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

teu espirro é o cupido, quando tudo que necessito é um resfriado, para desfrutar o amanhã ensolarado, enredado em cobertores e lençóis, de febre e atestado médico.
a lua é só um satélite, que agora, concretamente, escreve estas linhas.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

sobre uma aula

quando adentro a sala de aula, como professor, rumo ao canto solitário do saber, aquela mesa decorada de ciência, penso na poesia da teoria, como única forma digna de honrar esse intervalo no qual mergulhamos durante a classe, não tenho medo de desonrar as teses, desde que sonhemos juntos por alguns instantes, embriagados pelas rimas de um conhecimento nosso, acolhedor.

terça-feira, 27 de setembro de 2016

minha primavera interior é a alergia da flor
múltiplos sons e formas que meu espirro inventa
na galáxia do inconstante
sou o verme exorbitante

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

madrugada
cagar lendo Rimbaud
não vomite o poema
digira cena por cena
ode às hemorróidas

terça-feira, 13 de setembro de 2016

a solução do sistema é um estado permanente de dívidas: se não deve dinheiro, deve trabalho, deve favores, grandes, pequenos, indissolúveis amores. carinhos cotidianos, a filhos ou bichanos. deve a si uma noite ao luar, uma vista pro mar, seis ou oito horas de violão à beira do fogo. os filmes, os romances, as séries, a cartomante. a dívida é constante e inconteste, do submundo ao pai celeste, da caridade à saúde mais momentânea. aos amigos, aos avós, às entranhas. deve-se tudo, paga-se com juros. do desuso ao abuso de morte, em tão estapafúrdia vida consorte

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

folheio algumas fotos antigas, fora do plástico, coladas, manchadas, com foco precário. meus momentos. revivo tudo, quem me apresentou foi um amigo de longa data, quase tão perdido quanto o tempo. não nos víamos mais, embora eu habitasse sua gaveta colado a tantos outros personagens. dali viajo para os 1900, para o tempo da matéria, para o hiato entre a prata e o bit. não me sinto especial, apenas vivo, quando ele restitui essa memória artíficie de mim. onde procuramos tais fagulhas hoje? quem guarda nossos fotogramas desconectados? destituídos de sentido e utilidade. esqueçam o revelador, subornem o químico, reinventem o papel. na foto, sou menos eu, menos deus, mais do mesmo. semitom lavado. celulóide ou plástico?

domingo, 4 de setembro de 2016

faça de si um mi maior
órbita, volte a ser voltas!

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

e da festa democrática das ruas descarrilou um trio elétrico desgovernado que atropelou a democracia.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

eu queria um poema de resistência
mas hoje só tenho o tom cordial
de um velho livro abandonado
a ser escrito

domingo, 21 de agosto de 2016

corra atrás da máquina, morra atrás da máquina, é o máximo de humanidade que alcançará.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

viver é podar o sonho, sem decepar o caule, sem querer.

terça-feira, 16 de agosto de 2016

madrugada

o vento assobia à lua em assédio
e eu, puro tédio, reconto as estrelas

quinta-feira, 4 de agosto de 2016


há uma particularidade (não sei se vantagem) em ser músico autodidata desregrado. um belo dia você se depara com uma composição qualquer, gravada em alguma matéria obsoleta. ao ouvir o registro magnético, desafinado e descompassado pelo tempo, seu coração dilacera. há vida. há muita vida. mas essa música não mais lhe pertence. assim como está, está morta. interpretá-la parece impossível. porque você não reconhece os acordes, não há como entender a afinação, é uma espécie de filho bastardo, perdido entre tantos outros seres desconhecidos a vagar sonoramente pelas ruas. mas a nostalgia é impulso vital audacioso, audacioso e persistente. e quando você nem imagina já está lá, tentando tocar, de ouvido, sua própria composição. é como se você quisesse ouvir, pela primeira vez, o lamento de um filho que há muito vive longe, por negligência sua. por sua negligência. essa música morreu em seus braços, ela agoniza no magnetismo da fita, que quase não mais responde ao leitor, desimantada. o compositor é o polo negativo, é o buraco negro, o fragmentador de galáxias. tudo morreu em suas mãos pela teimosia do silêncio, pela incompreensão do seu público, pela falta de persistência ou pela ausência de qualidade? a qualidade de ser ruim e ruidoso habita essa fita. e você a desvenda como se pudesse exaltar com erotismo um brinquedo novo. que é seu, mas só preserva sua saliva, agora livre das bactérias da infância. quando você reinterpreta esse som, quando uma vez mais o desvenda, desde essa obscuridade latente das mensagens perdidas, em garrafas plásticas, tão artificiais e sem glória, com inveja do vidro, você não se depara somente com mais uma música perdida. primeiro você estranha a si mesmo, não compreende essa lógica pretérita, anterior, ultrapassada, segundo a qual agiam seus dedos e língua e braços e pensamento. você não se reconhece, você se distancia como um conquistador, ou como um bêbado. e foge, fustigado pela ignorância de não saber quem você é. mas ao passo que encontra a afinação, ou adapta o violão e a vida a essa outra esfera da existência, esse registro nauseabundo repleto de energia, quiçá uma vida adolescente, onde a libido pungia acordes, você reencontra um desenho lógico. ou ilógico. um percurso estranho realizado naquele tempo. revivido agora. uma psicanálise muda, mas sonora. você está a reconstituir seus processos mentais, percursos de instinto e de expressividade, de choque material, de descoberta criativa, de dor pela incompletude, frustração por incompetência. você só atingia esse estágio. você não era um músico. você não é um músico. você não é um poeta. você é um colecionador de poeiras cósmicas materializadas em vidas de passagem. vidas áridas regadas a bailes e harmonias musicais. reviver estas músicas é como desbravar as reentrâncias neuronais, é como mergulhar despido de desejo nas próprias tripas, tentando resgatar um fétido aroma de existência. refazer traçados mentais como se fosse possível repensar, reproduzir impulsos elétricos dos prótons. a ver se reconfiguram-se em ondas ou partículas, em música ou ruído. mais do mesmo, que é tão novo em si.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

nas segundas e terças fico acordado para ouvir música no único silêncio possível do centro da cidade. o caminhão de lixo, sozinho na madrugada, é meu despertador ao contrário.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

quanto mais perto do Olimpo
mais sede do primitivo instinto

domingo, 26 de junho de 2016

tempo voa
e nós pássaro
querendo ser paisagem

sábado, 11 de junho de 2016

de onde verte a dança
verte também
grande vingança
pequeno alvo
acima da lei
eu sei
meu santo é forte
dentro do buraco
em que estou metido
nascido aqui
morrido aqui mesmo

(uma canção em Lá menos, entre 1999 e 2001)

quinta-feira, 2 de junho de 2016

discuta com um idiota e descubra que você também pode ser um. idiota.
ouço a chuva, encharco o tímpano, choro.
facebook: diário íntimo, praça pública. esfinges, abutres, canalhas, mártires. ativos passivos de pupilas diluídas. carnavais, guaxinins, zicas e tretas. muambas, divórcios, favorecimentos. gravidade, ondas, estrelas. perfis lineares a sombra dos cometas. notícias lunares dos umbigos. parentes, colegas, amigos. bandidos, toga, vestidos. ricos falidos. postiços. notívagos, poetas. ventríloquos.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

demorei para descobrir a que vim. por longo período inspirei e expirei na yoga, órgão funcional. bati muito no boxe, limpei impurezas, absorvi coisas boas e ruins, de lixeiro à psicólogo. resisti ao meu dom, comentários ácidos, biliáticos, necessários e perigosos. fora do estômago eu seria fatal, mas por aqui vivo bem, independente do que digam, queimo, queimo, não, derreto com prazer!

terça-feira, 3 de maio de 2016

pode ser sorte
pode ser corte
pode ser morte
pode ser a letra errada
ou um mal começo
tropeço ou apreço
excessivo pela rima
na hora errada

quinta-feira, 28 de abril de 2016

imagens de inverno: travestis trocam calor, bundas quase a mostra salvo o fio de bikini, frente a porta do condomínio Alfred, portal da decadência burguesa caxiense. do outro lado da rua, na genuína kombi foodtruck dog do Quincas, um senhor com bigodes sujos de mostarda, assiste na mini tv de tubo partida desinteressante da copa libertadores da América. se ele tivesse uma boia, cruzaria a rua despido de sua jaqueta reversível, mas degusta a salsicha e o zero a zero, conformado. e com frio.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

furta-cor
furtador?
franco rancor
sem cor
de cor

domingo, 17 de abril de 2016

eu desenhava, escrevia, datava e assinava como se fosse algo pertinente. Um documento perdido. Carta do eu ao ego. Sem ressentimento, consentimento, tampouco. Dias, anos depois revi, reli, não estava lá. Não parece que seja interessante essa mania de grandeza fútil e autômata do franco atirador da caneta. Poeta do acúmulo, teórico da decepção. É a vida ali, entre gole, frase, assinatura.

La Habana, 06 de abril de 2016

sexta-feira, 15 de abril de 2016

tenho um falso esconderijo
dentro do umbigo
de quem um dia me amou
mas enquanto novelo
amo o desvelo
beijo e tempero
da avelã

segunda-feira, 11 de abril de 2016

requento uma poesia
a ver se ela dá cria
e a inspiração renasce
em balde de rica rima
(ridícula? falso brilhante)


sábado, 9 de abril de 2016

da certeza, quero a sobremesa
vou com todo desejo à maçã, mordo e ela esfarela na boca. pecado, só se for crocante
kiwi
um baguinho
recheado de kriptonita
eu tenho sonhos curtos, sonhos pequeninos, sonhos quase plausíveis, sonhos chicos, niños, realizáveis. não sei se excesso de humildade ou falta de ousadia, mas vez ou outra realizam-se. e é tanto que acordar parece pouco.
nada se cria tudo se utopia
tantas aprendizagens, do que ser e o que não ser, tudo nos ensina, e os professores as vezes moram na rua, são nossos opressores irmãos mais velhos, vizinhos que nos ensinaram a paixão pelo violão, pais que ensinaram o amor em discursos truncados. amizades efêmeras (e futebolísticas) da terceira série, namoradas que nunca nos amaram e ensinaram tanto! dia das crianças infelizes, problemas conjugais, problemas espirituais, cólicas intensas, náuseas que geraram promessas: nunca mais! para sentir, estar distraído, para aprender, atentos, talvez? o melhor professor é um estômago inquieto!
três cegonhas
dois cupidos
um bandido
estampido
silêncio

sexta-feira, 8 de abril de 2016

enxergo melhor com a neblina
é matreira
menos certeira
e me despenteia

quarta-feira, 6 de abril de 2016

luz branca do computador
branco do olho
pupila síntese
ilha

terça-feira, 5 de abril de 2016

ora infame ora atleta
à madrugada
late o poeta

quarta-feira, 30 de março de 2016

sempre que dou o beijo de boa noite nos filhos, deitados no aconchego macio dos lençóis, lembro do mesmo beijo de minha mãe, quando pequeno, e sinto conforto ao imaginar que eles também sentem essa espécie de dormência segura, que se dissipa lentamente em sono profundo, ninado pelos ecos da casa que tarda em dormir, a zelar, na paciência, na preocupação, no divertimento adulto, os sonhos de hoje e de amanhã.

segunda-feira, 28 de março de 2016

quando volto de um feriado prolongado, após brincar muito na areia e no mar, enquanto caminho até o trabalho, recém-chegado de viagem, tenho a impressão de esquecimento, apagamento ilusório da rotina de adulto. caminho leve como se não soubesse o peso que me aguarda, de volta à rotina dos gabinetes e das burocracias de ganhar a vida. transito entre sinaleiras e pessoas amontoadas com fôlego de criança, ainda "mudo e contente do mar", em Pessoa, em pessoinha. criança etérea.

sábado, 5 de março de 2016

enquanto espero o avião rumo à Cuba, tenho a expectativa de encontrar um mundo diferente. sei que não será. o globo é uma moeda, mas tridimensional em sua forma, unidimensional em sua racionalidade.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

eu tinha um blog que tinha um leitor assíduo, segundo as estatísticas. um e somente um. escrevi pra ele em alguns posts. o provoquei a fim de desvendá-lo. o número sempre permaneceu intacto. um leitor por postagem, um leitor por dia, um leitor... homenageei a figura, o descrevi em devaneio, assumi nossa relação em cerimônia on-line. investiguei seus rastros virtuais, de nada adiantou. era um firme, rude e fiel leitor, embrutecido e despido em linhas de menor valor.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

já não sei se o que escrevo é um poema, um slogan, uma carta enamorada. um post, uma matéria paga. um anúncio, um release, uma receita. praga, epígrafe, ata. uma despedida náufraga, folha psicografada, uma frase de para-choque, pausa. encíclica ou silêncio, encerrado na declaração de nascido morto. vivo, sofro palavras. 

sábado, 13 de fevereiro de 2016

facebook: diário íntimo, praça pública. esfinges, abutres, canalhas, mártires. ativos passivos de pupilas diluídas. carnavais, guaxinins, zicas e tretas. muambas, divórcios, favorecimentos. gravidade, ondas, estrelas. perfis lineares a sombra dos cometas. notícias lunares dos umbigos. parentes, colegas, amigos. bandidos, toga, vestidos. ricos falidos. postiços. notívagos, poetas. ventríloquos.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Enquanto leio sobre as diferenças e as preferências de postura entre Sartre e Foucault, irrompe um ritual estranho no jardim. Dois quero-queros dançam em círculo em torno de um terceiro do bando, que jaz morto entre a grama menos nobre do terreno do vizinho. O ritmo diferente do grito me chama atenção, interrompe a leitura e vou até lá. Aguardo (e respeito) o luto dos quero-queros, depois preciso colocar uma pá de areia sobre o defunto ou transportá-lo para um local mais digno (o covil do lagarto na mata ciliar ao lado, por exemplo). Quando chego ao funeral, onde também se fazem presentes bem-te-vis, joão-de-barros e canários da terra, sou hostilizado. Como se fosse o assassino. O casal (suponho) quero-quero acocora-se em posição de defesa, se camufla no gramado. Me desculpo e tento chegar mais próximo, quando noto que o terceiro, morto, sumiu. O corpo de delito foi roubado! Ou enterrado? Noto algumas penas em rebuliço no rastro de areia e verde. Nenhum sinal do bichinho. Fico em dúvida se a constatação da noite anterior procede: vimos mesmo, em meio à partida infantil de futebol, aquele quero-quero morto? Seria dissimulação? As penas na cena do crime parecem atestar a miragem noturna, bem como a estranha dança dos parentes. O corpo foi roubado! Estou indignado, mas não entendo dessa legislatura. Não sei a quem recorrer, o mundo animal é hostil no momento. Estresso os quero-queros com minha presença, apesar do álibi convincente. Entre Sartre, que defendia a tomada de partido e Foucault que afirmava a patetice do intelectual comprometido, como me posiciono ante a mazela do jardim? Minha consciência está turva, sordidez animal que me assola. A razão não pode me salvar hoje, vi um quero-quero morto que sumiu, não sei a quem recorrer, logo volto a ler.