segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

quando reorganizo minhas tralhas em casa, ouço uns discos antigos, o dólar sobe (ou não). é tempo de recesso ou recessão? (feriado prolongado até ano que vem)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

para as minhocas poesia é, de súbito, encontrar areia aquosa quando há muito se vive escavando argila. e dar-se conta de que apesar da semelhança inerte, deslizar na areia é mais sutil. e tem brilho ao redor.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

menina de azul do guichê perto da porta, continue a apaixonar-se por mim ou por outros, desde que perdidamente. moça sorridente do bar do prédio anexo, deixe também o peito aberto para seduzir os desavisados que não sabem o quanto você ama seu bem (que a essa hora flerta com alguma conhecida do micro ônibus da empresa). caloura de olhos azuis e calça branca, embriagada pela naturalidade dos veteranos ou pela lábia das professoras, nem tão lindas quanto bem-sucedidas, apaixone-se, apaixone-se sem cessar. me deixo apaixonar há tanto tempo, por tanta gente, que passei a aceitar a natureza sedutora de estar vivo. não se trata de puro desejo ou deslumbre, ou febre sensual. fico na superfície, na superfície dos primeiros olhares, das descobertas mais simples, das coincidências mágicas. elas repetem-se infinitamente. há sempre uma fórmula e uma combinatória para o matemático enamorado (rudemente nomeado poeta das madrugadas). não há razão para viver sem deixar-se tocar pela paixão. por isso uma só, aquela arrebatadora e perene, parece pouco. é necessário mais, não para os indivíduos, não para os corações ou para as satisfações de pelo. essas ocorrem de forma semelhante nas jogatinas de sábado, nos plantões médicos, na supremacia do olfato. apaixonar-se implica familiarizar-se com o mundo, tê-lo próximo e significativo, a paixão serve para comprovar a humanidade, muito mais do que a linguagem, as fábulas ou os deuses. paixões cruas de balcões de farmácia, de encontrões na praça, de ódios sem razão. me apaixono com frequência e preservo esses calafrios. como cápsulas de humanidade e como armadilhas anti-fidelidade. como presunção e como reforço a minha necessidade de sentir-me mundano (não quero racionalizar tudo). depois, entre um gole de vinho e uma carícia amante, realizo tais fantasias no ar, em desarmonias e falsos acordes, nos cadernos de aventureiro, no peito, no bruto peito. e deito fiel, sem medo, sem senso, sem receio. seu inteiro. 

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

há pouco sentido no que nomeio sobriamente como apenas meu. o que não me pertence quase sempre provoca mais danos, desperta mais sonhos, desafia o espírito a espreitar outros lugares. um fora que é tão perto, como se habitasse o desejo. um beijo que é tão certo. já não o cortejo.
sigo meus rastros digitais e chego a um soldadinho de chumbo sobre a mesa. a perna que falta foi-se com a trivialidade das desconexões.

sábado, 5 de dezembro de 2015

no parque central da metrópole há um grande jambolão de raízes a mostra. a seus pés, entre folhas, frutos e sementes podres, pacotes e camisinhas usadas prestam reverência: oferendas à fertilidade. porvir urbano tornando-se húmus à espera do bico de um passarinho.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

um dia eu tive uma banda, uma boa banda, músicas iconoclastas. já faz tanto tempo, quase não sei cantar nada (mentira, canto todas de cor sempre). mais do que um grupo, era uma unidade, uma verve de criação musical, uníssono. mas múltiplo. sem ensaio, sem palavra, sem organização formal. orquestra inconsciente, composição cósmica, harmonia no silêncio dos desejos, das vontades, das pegadas instrumentais. mas éramos humanos. talvez demais. e o corpo não contemplou espíritos tão fugazes, tão livres, tão felizes musicais. vontades, egos, detalhes vitais. acabaram com o sonho, com o mundo sonoro paralelo da convivência amorosa. ficamos para a próxima, ou para nunca mais. ouvi ontem um ensaio, improvisado, mas redondo como Bach. menos, bem menos, quando sabemos que éramos nós, mortais, individualistas e seguros a ponto de abandonar os sonhos ancestrais do encontro pleno entre dó e si. entre si e nós, sem razão, só ouvido, nuca, coração. sol.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

o problema não é só a história que se apaga, é a história que se escreve.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

pra chegar a lua cheia, musico em sol. e conversamos noite adentro e fora do tom.
estou ferido e caminho com dificuldade. cultivo sentimentos confusos por necessidade. construo universos sob esperanças falsas. assumidamente falsas. na falta de verdades, celebro beldades. miro o caminho sinuoso da malícia. mas sou preguiça, preguiça e arrogância. ferido, tenho a meus pés a impossibilidade. sadio, me restrinjo a saudade. 

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

professor é só o cara assumidamente inacabado à espera da próxima pergunta.
- pai, até que idade somos crianças?
- até os setenta, mais ou menos, depois somos bebês.
não sei se criar uma musa é vontade ou vício de poeta. se é sem-vergonhice ou pieguice. charme, malícia, burrice. criar a musa, quando se está satisfeito, é como cair do leito, quando se tem fome. barriga vazia e sono. criar a musa, talvez, para despir a musa, para torná-la humana, para voltar-se para a lua, para declamar benfazejos, para sentir desejo e veneração, platônicos, melancólicos, inalcançáveis. criar a musa para matá-la, como único espaço para a crueldade, dum coração que é ora aprazível, ora mole, mesmo. ora queixoso, ora presumido. criar a musa para achá-la atirada a uma sarjeta, para saber que é carne tal e qual todas as outras. criar a musa para tornar-se musa, para reconhecer-se na pele fatal, no disfarce anacrônico ou travestido das deusas. criar a musa, somente para o exercício. físico e mental, da virilidade e da ludicidade. criar a musa para criar-se, ou para matá-la, para matá-la sem piedade, para matá-la de gozo e de vontade, ante a verdade, a verdade sem expectativa do real estado de coisas do poeta. a musa é página em branco, quando se crê.
sinto que a lua cheia me espiona
quando ouço sua luz preencher meu ouvido

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

eu produtivo invade o tom da poesia
sugere que musiquemos por relaxamento
como se transcendência fosse possível
quando a náusea alienante do acúmulo
está nos murmúrios e nos pensamentos
no estalar de dor dos ossos
no ranger dos dentes na respiração
musico com lirismo tateando lua e silêncio
uma musa esquecida na poeira dos livros
uma memória desfalecida entre os ombros
mas é como se o peito oco ressoasse
apenas frases sem sentido
palavras soltas monossílabos
grunhidos do energúmeno produtivo
produtivo acumulativo inovativo
preenchido das frustrações errantes
dos que sonham nas mansões
inebriados pela fumaça impermeável
do bom charuto cubano
aceso com o fogo-fátuo
de um dólar chinês-americano
(incendiário)

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

linha imaginária divide os hemisférios
tento ser meio entre o eu e o vejo
permaneço enfermo, curado, refeito
como se na unidade me reconhecesse




com a barba por desfazer
e o cabelo a enegrecer
sou velho tolo
que adolesce

terça-feira, 27 de outubro de 2015

madrugada
no prédio defronte
janelas acesas
flui o tempo
no silêncio do olhar
apaga apartamento:
momento

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

o poeta embrutecido
o poeta de trigo
o poeta de prata
o poeta de tinto
Rodrigo, meu filho
não cruze o caminho
do poeta bandido
mono decassílabo
tio do sobrinho do pai do espírito
de porco arrependido
o poeta divino, calado prolixo
o corvo o sino o som o sentido
estampido ruído estouro sibilo
o íntimo anseio do último fim
sensível senil saudoso solícito
o poeta é o tiro
o poema é rugido
 

terça-feira, 29 de setembro de 2015

eclipse de sangue

assim que a lua renasce
após o eclipse não visto
a vida segue, de praxe
na direção do apocalipse

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

uma verdade nua me interpelou na rua
embriagado de pudores não a pude contemplar
espero ansioso estação que me desnude
como se fosse possível a reencontrar.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

quando eu for pequenininho
quero ser um aceno
de feitor ou timoneiro
gesto sutil, de soslaio
só para os desavisados

sábado, 15 de agosto de 2015

não conheço contato mais intenso com as pessoas do que o evento musical. o compartilhamento afetivo entre músico e público, quando sincero, quando acontece. gruff rhys nos pueblitos argentinos, yo en marcos juarez numa esquina rural argentina, falando de cinema e de arte. o contato estético é abertura para as posteriores falas e análises, para da intensidade raciocinarmos.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

não escolhi meus amigos
nos esbarramos em mar revolto
e estamos tentando
nadar juntos até a beira

quinta-feira, 16 de julho de 2015

nas madrugadas há um poeta que mora em mim. migrou recentemente (já faz dez anos) para um destes espaços virtuais de publicação. lá não existem muitas curtidas ou comentários, na verdade é quase um absoluto silêncio de rua vazia mesmo. pelas estatísticas, circulam uns e outros, eventualmente. como se respeitassem a condição desse outro a escrever, o desconhecido com o qual nunca cruzaram, esse poeta tímido e violento que mora em mim ao longo de tantos anos. hoje, prefere a madrugada digital do que as mesas de bar, os ruídos desavisados do bairro na calada, do que encontrar o inesperado numa esquina sem luz. eles me respeitam, eu a eles. ele a eles. pois o eu, esse sobrevivente do outro, diurno e embrutecido pelas possessões, ainda quer recontar as amizades através das sintonias estéticas. escrevo e releio, na esperança de encontrar esse eu do meio. seria ele a receita?

quarta-feira, 15 de julho de 2015

os números não mentem, mas sentem...
será?
ah, esse algarismos...
não me pertencem.
inexatidamente

terça-feira, 14 de julho de 2015

eu, que sempre desejei poesia cotidiana e literatura menor para amenizar o desassossego diário, encontrei nestas frasesinhas de filhos a própria verdade. sentidos inexplorados, voos intensos, plenitude. sinto-me um velho jornalista desapegado ao ofício, de costas para o mar em silêncio, enquanto desfruto de toda vida despejada no jardim da descendência.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

partido

já não me leio
só me receio

terça-feira, 23 de junho de 2015

autoajuda para todos os gostos
limpador de para-brisas para romper a neblina de óculos
lente de contato simulador de neblina para dias de sol muy intenso
para os dois casos: tampões auriculares.

sábado, 20 de junho de 2015

eu escrevia, racionalmente, sobre poesia, quando o estrondo na janela do sétimo andar me acossou. do susto, me recompus com coração trêmulo. no instante, pensamento vácuo: um anjo não notou o vidro da janela. estou só outra vez.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

de tantos venenos e adubos inorgânicos,
hoje as flores perduram mais que os amores

ou trocamos de vaso por acreditar que assim nos aproximaremos mais do sol
ou o câncer nos devora tamanha voracidade com que fotossintetizamos as estrelas

todas as flores são plásticas
todas as falas gástricas

a acidez decompõe o sal com que nos vigiamos
a acidez é o sangue da melancolia
é o vinho dos desavisados
o distúrbio inerte da benevolência

há uma vaso florido sobre minha lápide
oculta a última frase que eu teria dito
se tivesse encontrado palavra
sem a fragilidade da língua

sábado, 13 de junho de 2015

nas madrugadas de sábado observo as festas, os jantares, as formaturas, de minha janela eletrônica. de tão farto, tenho certeza que participo. da morte de todos os costumes, da prevalência de todos os olhares. à espreita.

terça-feira, 2 de junho de 2015

privadamente

segunda, um falso perfil me adiciona
terça, um robô me telefona
quarta, um manequim se apaixona
quinta, uma câmera me aprisiona
sexta, estou em coma
de tanto saber de mim

quinta-feira, 28 de maio de 2015

tudo já foi dito
nem tudo lido
por isso insisto
em recontar o mito

segunda-feira, 11 de maio de 2015

tenho pensado na forma como eu me relaciono e me relacionei com a música desde a infância. não foi um aprendizado utilitário, um desenvolvimento objetivo de habilidades técnicas. a música e a forma como eu me envolvi com ela teve um papel específico na formação da minha personalidade. não só em termos de sociabilidade, dos amigos, das experiências. mas a forma como vi o mundo e como o concebi tem relação direta com minha musicalidade. não foi uma relação apenas em termos musicais, essa forma de comunicar-se com as materialidades e imaterialidades do mundo foi além, uma espécie de filosofia do compositor, do inventor de si, do criador de atmosferas. foi (e é?) um tanto isso, uma ambientação para entender o mundo. não no presente imediato, mas como uma predição, uma antecipação reservada em memória musical. como se viesse à tona, antes da consciência, essa pulsão anímica da poesia musicada. fatalmente em noites, ou após o almoço, enquanto observava o passeio. a forma como Bob Marley se expressa musicalmente chama a atenção de modo semelhante. não é um homem que articula raciocínios complexos, mas a força criativa de sua poesia é precisa, é sintética, tem um saber muito próprio, sem tradução.



terça-feira, 28 de abril de 2015

alta madrugada. ouço o caminhão do lixo. embrutecido pela velocidade dos pensamentos. mesmo na cama, entre a vigília e o sono tenho a impressão de que ele recolheu junto com as encomendas dos containers meus sonhos. terei pela frente noites sem enigmas. até que um catador, vizinho do aterro, recolha como faz a um papelão úmido, esse rascunho onírico que foi-se, raptado pelo movimento da cidade em direção ao inóspito destino das febres noturnas inúteis. já não serão meus sonhos. existirão.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

a poesia não é necessária
a necessidade é poética

segunda-feira, 13 de abril de 2015

pop fruit

kiwi
um baguinho recheado
de kriptonita

sábado, 11 de abril de 2015

transfusão de posts 2

O louva-deus tinha dois dons
Comiseração
...
E sabia escrever
Uns certos textos de humor.
Fazia muito sucesso entre os Maribondos e Zangões
Sempre com temáticas Turronas.
Pena.
Foi devorado pela mulher
Um dia depois de receber a carta
Que o convidara para apresentar seus roteiros na Broadway.
É,
Empanturrada com as asas do artista, a esposa disse:
- O louva-deus louva deus e não o showbusines.
É,
Espetáculos opacos naquele ano.
...e nos outros...
Não faria a mínima diferença.

10 agosto 2006

transfusão de posts 1

Um jovem ouviu o som chamado “Um Amor Supremo”
uma frase repetida em fonemas lúcidos
salientada por instrumentais nervosos
tensão, desespero
falta de fôlego
Sensível desabafo de um saxofone
atrás dele um homem
à frente aquele ar embebido de graça e supremacia
O conhecimento soprado ali,
num ar repleto de cadência e ritmo,
preenchido de vida humana,
de fato era o amor

Ilustra bem teus passos para deles não restarem pegadas. Ilumina bem teus olhos para as flechas emanarem alma. Recicla a vida em cada palavra para não ferir o silêncio das estrelas. Combina ardor com mácula para bastar-te. Anteceda as armadilhas para prender-te nelas propositadamente. Lampeja de sonhos os dias para rastejar de vontade nas madrugadas. Sana sede de mágoas, lástimas e órbitas, para sentar-te entre os vivos na mesa das Celebrações. Incendeia as roupas novas em função das velhas, ateando fogo ao álcool do soberbo. Sopra feito vício pelos ouvidos desavisados e seja tão necessário quanto o sabor do mar ao sol. Seca, repentinamente, enquanto fonte de desapego e desilusão, pela ânsia inumana e transitória de ilusão de existência. Clama por carinho, carícias, Cartagos, Cartagenas, Greenwichs e Pragas. Ecoa em ti mesmo a desigualdade de ser, a dubiedade da certeza, inutilidade da luta. Reflita a sombra de luz e de ar, persuasões cósmicas soberanas e sacras. Mata aos poucos o elixir que bole todas as faunas. Retira delas cinzas. Recria as cores habituais, sejam três ou trinta. Explica tudo e confunda por perdão aos deuses. Mas ama jamais, sabichão, porque desvanecer é ter, de um pequeno amor, um Amor Supremo.

14 outubro 2005

quarta-feira, 8 de abril de 2015

não sei se gravo um disco, escrevo um livro ou se, simplesmente, calo, homem comum, consciente, insatisfeito porque tudo já foi dito.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

adolescer

vira pai
vira rocha
até que racha
a casca

terça-feira, 31 de março de 2015

aqui onde a lua projeta sua luz
do lado de dentro da janela
brotou, no piso mesmo, de porcelana
uma árvore de afinar vozes e violões
movida a noite e contemplação

quarta-feira, 25 de março de 2015

Marte invade

distante dos alarmes ria até morrer
o que são macaquices para alguém nada ideal?
são quatro os motivos do canto:
benção, oração, sentidos, a razão de ser
a distância revela o que queremos fazer
a vida é o oposto do que me falou
não era pra ser
mas hoje é dia de morte na tv
hoje é dia em que Marte invade as geladeiras.

* entre os 2000 e 2001
cada vez me convenço mais de que para saber sobre o caráter de um homem, basta ver como ele trata seu filho, principalmente em momentos íntimos e solitários.

quinta-feira, 19 de março de 2015

15 anni

primeira valsa
primeiro não
primeira taça de ingratidão
e a soma dos desejos desfeitos
a noite exala desamor

calor é o tempo
e o espelho da moral impacienta o peito
faz vezes de são e de isento
me fere com seu desalento
o encanto necessário não tenho
não encontro em qualquer canção

* lá por 2000

terça-feira, 17 de março de 2015

meu corpo enrijece na mesa de trabalho, a coluna arde, as costas acusam a idade. salto da cadeira para o meio da grande sala, canto um verso bruto, Neruda ou Maiakovski, os colegas bocejam de canto de olho. acordo do devaneio com fome de maçã.

sábado, 14 de março de 2015

o saber é bruto porque o coração é falho

sexta-feira, 6 de março de 2015

uma música, uma fita

há uma particularidade (não sei se vantagem) em ser músico autodidata desregrado. um belo dia você se depara com uma composição qualquer, gravada em alguma matéria obsoleta. ao ouvir o registro magnético, desafinado e descompassado pelo tempo, seu coração dilacera. há vida. há muita vida. mas essa música não mais lhe pertence. assim como está, está morta. interpretá-la parece impossível. porque você não reconhece os acordes, não há como entender a afinação, é uma espécie de filho bastardo, perdido entre tantos outros seres desconhecidos a vagar sonoramente pelas ruas. mas a nostalgia é impulso vital audacioso, audacioso e persistente. e quando você nem imagina já está lá, tentando tocar, de ouvido sua própria composição. é como se você quisesse ouvir, pela primeira vez, o lamento de um filho que há muito vive longe, por negligência sua. por sua negligência. essa música morreu em seus braços, ela agoniza no magnetismo da fita, que quase não mais responde ao leitor, des-imantada. o compositor é o polo negativo, é o buraco negro, o fragmentador de galáxias. tudo morreu em suas mãos pela teimosia do silêncio, pela incompreensão do seu público, pela falta de persistência ou pela ausência de qualidade? a qualidade de ser ruim e ruidoso habita essa fita. e você a desvenda como se pudesse exaltar com erotismo um brinquedo novo. que é seu, mas só preserva sua saliva, agora livre das bactérias da infância. quando você reinterpreta esse som, quando uma vez mais o desvenda, desde essa obscuridade latente das mensagens perdidas, em garrafas plásticas, tão artificiais e sem glória, com inveja do vidro, você não se depara somente com mais uma música perdida. primeiro você estranha a si mesmo, não compreende essa lógica pretérita, anterior, ultrapassada, segundo a qual agiam seus dedos e língua e braços e pensamento. você não se reconhece, você se distancia como um conquistador, ou como um bêbado. e foge, fustigado pela ignorância de não saber quem você é. mas ao passo que encontra a afinação, ou adapta o violão e a vida a essa outra esfera da existência, esse registro nauseabundo repleto de energia, quiçá uma vida adolescente, onde a libido pungia acordes, você reencontra um desenho lógico. ou ilógico. um percurso estranho realizado naquele tempo. revivido agora. uma psicanálise muda, mas sonora. você está a reconstituir seus processos mentais, percursos de instinto e de expressividade, de choque material, de descoberta criativa, de dor pela incompletude, frustração por incompetência. você só atingia esse estágio. você não era um músico. você não é um músico. você não é um poeta. você é um colecionador de poeiras cósmicas materializadas em vidas de passagem. vidas áridas regadas a bailes e harmonias musicais. reviver estas músicas é como desbravar as reentrâncias neuronais, é como mergulhar despido de desejo nas próprias tripas, tentando resgatar um fétido aroma de existência. refazer traçados mentais como se fosse possível repensar, reproduzir impulsos elétricos dos prótons. a ver se reconfiguram-se em ondas ou partículas, em música ou ruído. mais do mesmo, que é tão novo em si.
um tempo em que os melhores conselheiros amorosos, Lowe Pornhub e Lincoln Redtube, aconselham sem palavras.

terça-feira, 3 de março de 2015

espero
austero
o sim e o não
do quero-quero

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

sonho devagar sonho passa sem parar
um tecido a pele rasgada
de homens nobres e seu computador
como anti-mutantes que são
fazem parte da conspiração
homens-robôs astronautas do norte

amor bacana a Madona tem
os bacantes fantasmas delirantes
do modelo feliz de estar bem

bem-estar
vendo casa mobiliada com casamento feliz
pela bagatela de viver por triz
consumindo a carne que só quer consumir
as carnes a rodar por aí
sensações refrigeradas
prazo de validade a definir

* composta em alguma madrugada entre 2001 e 2002

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

tempestade se anuncia e não se pronuncia
enquanto minha bílis
evoca alergias

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

enquanto você me segue, virtualmente
te sigo no concreto
por sorte, gasto todas as solas
e nos ignoramos

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

vivi em órbita com um quase astro
uma semi-estrela
entre satélite e cometa
matéria esférica
anima inanimada

eu, apesar de poeira
achei tudo tão azul e efêmero

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

o cigarro e o carnavalesco

do prédio em construção ao lado
um operário me observa tocar violão enquanto fuma um cigarro secreto
olhar melancólico debruçado na sacada de puro cimento fresco
nem todas as carnes estão em festa hoje
nem todas as fábulas perduram
estou sem inspiração apesar da manhã de carnaval

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

chegadinhos

a chinchila cochila
no aconchego
da cochonilha