quinta-feira, 29 de março de 2012

essa célula que não me pertence
que tanto ri e que se chama câncer
sobrevivente de uma tentativa de conto
ainda adolescente
escreve em ritmo frenético
sobre o mar e as andorinhas
sobre os afrescos parisienses
e as entresafras de boa arte e vinho californiano
é epilética e insegura
embora flua sem acidentes
pelas paredes arteriais
os muros que não nos separam
pontes elétricas
gênios mortos

gêmeos em humana jornada

sobrevida

quarta-feira, 28 de março de 2012

embora a paternidade
absorva a vida
que não sabia que tinha
é no sorriso do filho
que descubro
quem sempre soube
que sou

sábado, 24 de março de 2012



O homem
caça
e dá conta
de si
mesmo
apesar
da borracha
e da pirraça.

domingo, 18 de março de 2012

manhã de domingo
pura têmpera
em água se depura
puro tempo
apreciado ao silêncio
da chaleira
ímpeto se despede
da algibeira
e conforma-se

é melhor espreitar
vida assim
em tinta branda
para poder
sorrir sem memória
para poder mentir
pena sem alma

terça-feira, 13 de março de 2012

ela não tem a bolsa de futuros
sequer passado
sequer um gênero pensado
é o ente
na esquina da Júlio
que sorri entre dentes rasgados
e botulínicas bochechas
de araque
que talvez seja sincero
pai ou irmã de família
mas que desorienta
o herdeiro da bolsa sem futuros
que passa em meteórica
e autoexpressiva
conduta moral irretocável
paralelepípedos
testemunham
a soma das economias diversas
entre cobertas e conversas
descobrem-se
afãs
e nada explica
bocas desertas
a enfrentar rigorosos
outonos na serra
fruto da distância nominal
entre dois pontos que não se sabem
não se conhecem
(se encontram?)
as pedras contam
onde estão as veias
da cidade
por elas
só trafegam amorais
que estão em aberto
ocupam o meu o teu nome
dormem no meu ou no teu corpo
em qualquer noite dessas

e acordam

nas suas realidades absurdas
de fundos e pregões
acreditando na materialidade
da cesta básica
e da bolsa de futuros sem futuros
na humanidade cansada
e hipócrita
de nossos sonhos de ontem

sexta-feira, 9 de março de 2012

o sono que nos deixa
pouco antes da uma
talvez queira dizer
para banhar-me à lua
ao natural
deitado numa sacada
que sequer existe
mas que imagino tê-la
sob meus ombros
entre o pé do sofá
e a estante da sala

num assombro
triste pelo sono perdido
embalar Fransciso
que finge que dorme
mas já com índole de bandido
desata a relatar sua vida
e as passadas
reinventando os primeiros
sons de PE
os mais lindos até então
com disposição a percorrer
três Maracanãs

E depois que a atividade
se desloca para o intelecto
em desordem
miro lá embaixo
flores mortas e amarelas
que fogem ao vento
o ônibus que tarda em passar
e chegar
um funk gritado
de Cordeiro a Isaac Hayes
(de tão distorcido até fica bonito)
ar rajada que inventa melodias
(ou será que sou eu nessa febre inquieta
de madrugada matraca!)
tanta vida que passa
embora as grades
tanta energia
que realiza a cidade
(pra quê eletricidade?)

tão pouca coisa
que combina com paz
quase esqueço que não estou deslocado
que não inventei esse século
e nem o álcool
que ainda tenho 20,
quem sabe 30 e alguns anos
de criatividade
fruta madura
pra descer ladeira abaixo
na tentativa não exitosa
de sorver suavemente
meu pedacinho contente
de úmida burocracia

o pouco silêncio até tenta
mas não denuncia meu plano
de sabotar o sistema
nervoso central
e implantar um dvd pirata
com sons de mar
mantras de yoga
fés mais eucarísticas
em resposta a minha profusão dilema
espítito-Karde-cristian-budista
que acorda perto e depois da uma
compõe estrofes
redige laudas
tão sábias
quanto um bife ao ponto
sem sangue
sem carvão
sem tinta
o núcleo do que não entendo
o anti-senso
por certo
paradigmêsmico

quarta-feira, 7 de março de 2012

m o m

Perdi meu rumo
no reflexo do verão no céu
Não sei se posso culpá-lo assim
Não sei se devo dizer a mim mesmo que errei
Que falta ruim
Tua distância me causa
Volta
Chega de uma vez
Mas chega
com o inverno também
Pois o calor
já derreteu minha esperança
E o passado
Não mata mais minha sede

1998