quarta-feira, 17 de novembro de 2021

se eu fosse animal, seria uma lesma de jardim sem casco, daquelas tão viscosas que atraem de tudo: tardígrados, ácaros, poeira. para uma lesma, há períodos de viço verde e umidade, quando a gente até flui. outras épocas são hostis, pedreira e cascalho por tudo! nessas fases, só queria um casulo, um exoesqueleto ou um par de garras. em tempos pedregosos, a gente sofre demais porque viscosidade não combina com aspereza, e o atrito não é somente sensível ou estético, mas físico. a qualquer momento posso ser destruído materialmente, não só pelo embate, mas pelo choque. até que ponto é possível resistir à violência com a sensibilidade? minha gosma brilha e decora: rastro. não há fuga. (1o/2o21)

na Marquês, entre a Júlio e a 18, emboca um vento. em dias de tormenta, esse é o conhecimento necessário de geografia que precisamos para não ter o guarda-chuva sequestrado pelas rajadas. gosto de imaginar os caminhos das lufadas por ali e entre os vãos dos prédios, dos pátios das velhas casas que teimam em resistir pelo centro. queria desenhar esse mapa imaginário das correntes antes de desistir dessa cidade, antes de julgá-la apenas pelos que caminham sem notar a brisa, pisoteando as frutas que abundam pelas calçadas, preocupados com as moedas para o parquímetro. quem desvenda a direção do vento não pode ser multado, disse o navegante.

os banhistas atolados na extensão artificial da praia em balneário Camboriú apareceram pra mim como síntese de um Brasil elitista e calhorda. aquele Brasil que não se pensa, mas se compra. reificação da areia movediça.

Henrique me convidou para assistir Duna e nos tocamos para o shopping ex-iguatemi caxias. estava uma noite agradável e pensei em comer algo na parte externa, onde as únicas opções são as franquias de galeto e do madero. não apeteceu e acabamos comendo na zoeira da praça de alimentação, onde a comida é mais em conta, ao preço do desconforto e do calor, da aglomeração e da insalubridade acústica. o sistema é assim, o diferenciado (blergh) tem seu custo (burguer gourmet e o caraca). depois de comer, ainda faltava meia hora para a sessão e pensei em dar um tempo nas mesinhas do madero na rua, ao preço de uma cerveja ou uma água. lá fui eu encarar aquele imenso totem tela eletrônica para pedir uma simples cerveja, um trambolho cafona e opressivo, além de absurdamente desnecessário. ao final do suplício do preenchimento, quando tive que escolher o nome para avisarem a entrega, pensei em fazer aquele famoso trote telefônico de escolher uma alcunha cacofônica ou bizarra só para sacanear geral (logo me dei conta que ninguém sequer perceberia e desisti da subversão infantil). entrei no contêiner e após demora padrão acessei a lata de cerveja que estava absolutamente quente. reclamei e o cara disse que o chopp estaria mais gelado (além de bem mais caro). pensei em dizer: nossa! vou lá no totem me divertir um pouco e tentar fazer um estorno, mas o cara não tem culpa, ainda mais terça de finados, quase dez da noite. acabei tomando o chá de cevada com uma imensa saudade de um boteco em frente a um cinema de calçada. olhei para o Henrique com aquele ar de tio saudosista pensando em rememorar o que foram essas vivências do passado, mas já sou ranzinza demais e preferi não estragar nossa noite mágica. curtimos o filme, a experiência sensorial está ecoando até agora, e a cerveja do freezer do gnc estava tinindo!

 quando leio uma frase que simplesmente me alivia, a considero tudo, menos poesia.

 “seu perfil vem sendo notado” “lhe parabenizamos pelo artigo…” “parabéns pela excelente aquisição” pensei que com o neuromarketing a gente ia se livrar da apelação irrestrita ao ego do consumidor. você ainda não sabe, mas é o máximo!

ontem, lembrei de uma macieira que ficava do lado da casa da nona, lá no Guabiroba. dava umas maçãzinhas pequenitas y tan suculentas! nunca mais senti esse gosto. se vão décadas. as maçãs que como hoje são tão insossas que nem pecado contêm.