segunda-feira, 23 de outubro de 2017

na cidade 24 horas um fato na madrugada é um fato comum
e sou apenas mais um em busca de atenção na sacada
ninguém subirá
por mais que entoe as boas canções
enumere razões para um bom papo
a madrugada metropolitana desconfia de si sem o álcool
desconfia de mim, pois não vi a lua nascer
não estou pronto para a festa
esperneio com a vitalidade que me resta
essa inútil, desaventurada seresta em tom maior
não há destinatário, puro eco d'eu mesmo
pura insuficiência de sê-lo
a esmo
na madrugada teimosa da cidade noite
nessa constância indecente entre sol e sombra
contínuo que seduz e assusta
não há dano
se ninguém me julga
não há dano
para rebelar-se contra a luminosidade d'ontem
hoje é já
sempre

11/05/2017
minha agonia não tem relação direta com lugar algum
a questão não é voltar
minha geografia já transcendeu
o aperto está na impressão de que esse tempo
comprimido como um desafio
ou uma espécie de esforço
um estar junto acima das possibilidades
tenha sido a melhor fase de nossas vidas
a mais pacífica e determinada
a mais envolvente e intensa
irritante e transbordante
felicidade plena e saturação
amor e pasmaceira
quero uma folga, no mar ou no trabalho
mas já estou nostálgico dessa simbiose absurda a que nos propomos
e aventuramos com afinco
independentes, mas abertos
egoístas, mas afáveis
na medida da saudade antecipada
sensação estranha, febre vindoura
não é medo do futuro, é tempo sendo tempo
matéria entre 
entre matéria


(antecipando a angústia de estar de volta, Barcelona, 23 de julho de 2017)

terça-feira, 17 de outubro de 2017

até o par é ímpar.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017


sempre admirei (e sempre quis ser) essa chuva miudíssima noturna (a de molhar bobo), que só enxergamos contra a lâmpada, oscilando como se fosse insetos desordenados pela tontura da luz. sou gotas grossas e desengonçadas. raramente acerto o alvo, mais visível que elefante, impassível, deselegante. sou água torrente despejada do céu como pranto ou mijo, mijo doente de peste incurável, hereditária. sou chuva precária. migalha. navalha. sou quase água, sou nada. chuva abafada pela secura das vestes. gota graúda que deságua porque teima, teima e se despede. rumo ao leste, rumo aos lestes, quase nortes.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

enquanto uns vomitavam, outros diziam que era arte. tudo isso antes do almoço.
vi a pouco a lua. exatamente a metade. não é fiapo minguante, nem é a cheia que invade. ninguém chamou pra lhe ver, ninguém chorou sua ausência. fotografia nenhuma, talvez por algum incidente. não há pranto nem prece para essa lua mediana, pra essa lua de araque, para essa lua humana, meio metade vulgar, meio assombrosa deidade.