sexta-feira, 28 de março de 2008

Estréia

Ensaios cênicos num teatro conhecido. O palco do Auditório Barbosa Lessa, do Centro Cultural Érico Veríssimo. Uma tragicomédia sobre costumes, mas com um camarim sofisticado a la parisiense. Na primeira noite eu estava muito tranqüilo, e decorei o texto pouco antes de apresentá-lo. A peça consistia numa seqüência de histórias um tanto verossímeis e por isso parecia muito simples interpretar aquelas palavras. Éramos muito entrosados em cena também, eu e a Dani, de uma irmandade genética e musical no mundo físico, para uma parceria tão ou mais bem sucedida ainda, numa onírica estréia teatral. Foi um absurdo sucesso, tanto que do susto por tamanha aceitação acordei, dando-me conta daquele sonho tão diferente, absurdamente agradável e belo; mistura de saudade com promessa de futuro tão sublime e desejado. Dormi em seguida, acolchoado naquela sensação macia do mundo nebuloso, este espaço preenchido pela noção de despertar, mas ainda engalfinhado pelos rumores e sabores de Morpheus. Eis que o palco retorna, desta vez um camarim tenso, luzes antes radiantes operam agora foscamente sobre nossas faces pálidas; uma estúpida pressão evade de dentro de nossa própria consciência e nos perdemos em palavras e tentativas de decoro imprestáveis. O texto some de mim, como que tomado por aquele instante anterior de vigília, e foge como um raio preciso para um ponto onde a memória não o encontrará mais. Surge em cena um diretor, minha colega de palco, Dani, minha irmã, tenta me acalmar, palavras de conforto e compreensão tornam minha ineficiência ainda mais vexatória. Absorvo os sentimentos e respiro fundo, o diretor faz contagens regressivas fascistas ao redor de nosso torpor nervoso; ele é uma mistura de um ator do Depósito de Teatro com um novo galãzinho da Globo que desconheço o nome, uma espécie de humorista sem graça, mas com certa fluência... O último sinal ecoa e invadimos o primeiro ato, o combinado é um improviso total. Como se trata de um roteiro sobre costumes contemporâneos, fingimos conversar naturalmente em busca de um sentido, graça ou tragédia. Uma reprodução não ensaiada da vida, uma busca desesperada por nexos ao acaso. Nem no mundo do faz de conta tamanha audácia prospera. Fracasso total! E no meio do abalo, no intervalo para o segundo ato, o diretor entra em cena, calcado em sonambulismos circenses, acrobacias e técnicas da Idade Antiga. Funciona, e fujo um tanto desamparado no meu quase pesadelo artístico. Ninguém me olha ou acode, a ribalta está do lado oposto, fujo por uma porta rumo à realidade, enquanto todos se perguntam quais são os costumes desta nossa época.

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