Conheci Daniel Johnston bem depois de ter gravado minha
última composição em fita cassete. Ignorei aquela camiseta do Kurt Cobain.
Quando ele apareceu na MTV não era tão simples encontrar as informações, a
gente ouvia as histórias dos artistas através de boatos, de alguém que comprava
uma revista importada ou de um programa legal de TV, Lado B, por exemplo. Mas
mesmo sem saber quem era ele, ouvi sua música ao longo da vida, de forma
desavisada, numa trilha ou numa versão, em Kids ou com o Yo la Tengo. Só quando
saiu seu documentário que descobri esse cara, o que ele fazia, bem como a
própria noção de músico outsider. Tivesse conhecido antes, talvez, teria
reduzido minha ansiedade de adolescente em busca de identidade. Essas noções, talvez,
teriam ajudado a explicar minhas próprias práticas e desejos de juventude,
quando experimentava no silêncio da madrugada do meu quarto todo tipo de
gravações em fitas cassete usadas, por mim ou por gravadoras, como modo de
expressão. Deixava trechos de cursos de inglês para sobrepor um som de folha
raspando no ventilador conectado a uma caixa com um inverse delay. O único truque de mixagem que aprendi nessa época
foi usar um tape deck duplo e colocar uma fita tocando junto com um microfone
captando outro canal. Meu vizinho Bexiga, deu a dica, na época vocalista do
ORTN, "sou do DMLU, quem não gostou, fuck
you!" Acho romântica a expressão outsider music, mas não a conheci a
tempo de me enquadrar nela, aliás, sempre chego atrasado nos enquadramentos e
fico pelo caminho, à procura de um nome que se apegue ao que tento ser. Depois
que assumi uma espécie de carreira produtiva padrão, mais distante daquele
sonho de menino, de ser rockstar, sempre pensei que as madrugadas brincando com
o gravador me tiraram de um caminho, quiçá, virtuoso. Deixei de ler muita
coisa, de aprimorar meu inglês, de estudar para aquele concurso público. Em
troca, acumulei duas caixas de sapatos com registros em cassete. Que,
provavelmente, nem tocam mais, graças à perda do magnetismo. Talvez, também eu
seja esse talento magnético perdido numa daquelas gavetas, sempre em fuga,
sempre atraído por essas coisas que ainda não tem nome.
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