terça-feira, 15 de outubro de 2019


-->
vi hoje uma cena que me instigou a escrever. mas quando ia postar, o facebook me alertou: compartilhe essa lembrança de 3 anos atrás. frase idêntica. será a primeira primavera após meus 11 anos em Caxias que não escreverei sobre as frutas urbanas que morrem estéreis nas calçadas. achei muito cruel a inovação da poética 4.0. nem o mais do mesmo posso ser com ingenuidade. apesar de que sempre guardei tudo que escrevi, gravei tudo que cantei, preservei trapos e quinquilharias autorais justamente por isso. não sou de ser entrega, sou de processo. nunca fiz nada como fim, estou nesse meio, por tempo indeterminado. guardo tudo, não para posteridade, sequer para herança ou reconhecimento póstumo. me leio, me escuto, me vejo. talvez em demasia, como um Narciso ao avesso. mas não por admiração. estudo? psicanálise? quem era eu naquele tempo? "olha como repito esse dilema. oh deus, sou o mesmo moleque de sempre!" por certo, não seria quem sou, não fossem esses retornos, esse debruçar-se sobre o que escrevo, escutar-se distante, perdido entre as eras, simplesmente por medo de ser mais enérgico com o tempo. não sou. respeito. deixo a poesia reaparecer como ciclo e desventura, como o aviso do vento, "é de novo janeiro e você ainda não cumpriu aquela palavra" (de tantos e tantos dezembros de água e Iemanjá). escuto as cartas como retratos ou garrafas de náufrago. e volto a escrever, apesar da página avisar: "há uma lembrança perdida a recordar, não reescreva se é tão fácil voltar". meu passado nunca é nostalgia, navega hoje, treva e superfície. as vezes avança, mil vezes naufraga, e lança óleo poético nas profundezas do Atlântico.

Nenhum comentário: